Pequeninas mãos

85 12 3
                                    



Salve, Doce das Duas Terras!

Salve, morador na comida tchefa!

Salve, morador no lápis-lazúli!

Vigiai sobre aquele que está em seu berço, o Menino, quando ele vem a você.

~ Fragmento do livro dos mortos

Vários pares de olhares curiosos encaram o singelo portal de pedra que levava à um mundo pós-vida da mais completa felicidade pelo qual apenas um deus podia passar. Osíris, Thoth, Anput e Néftis encaravam o único acesso para o Aaru enquanto se perguntavam se Anúbis estava bem. Osíris e Thoth tinham explicado para as duas mulheres o quão apressado ele pareceu para entrar lá e, considerando que agora os quatro sabiam que eles haviam acabado de enterrar Neby, também sabiam qual era a alma que ele esperava encontrar lá dentro.

Os outros, como Qebui e Nefertem, tinham ficado para trás querendo dar um pouco de espaço não só para Anúbis, como também para Anput e Néftis. Afinal, Néftis era a mãe de Anúbis e ainda tentava se encaixar no papel, enquanto Anput tinha claramente uma importância diferente e uma intimidade mais aliada a sentimentos profundos do coração.

Com um olhar triste, Néftis soltou um suspiro e abaixou o olhar para o chão de pedra enquanto seus pensamentos caminhavam por vários lugares. A deusa se sentia envergonhada de não conhecer o suficiente o próprio filho para ter adivinhado de primeira que ele teria ido até ali, exatamente o que Anput tinha feito. Anput não havia pensado duas vezes ao falar pouco tempo atrás que Anúbis teria ido até o Duat em busca da alma de Neby. Quando as duas chegaram no Salão do Julgamento, as suspeitas se provaram verdadeiras.

- Que mãe terrível eu sou... - disse Néftis em voz baixa para Anput - Primeiro abandonei meu filho a própria sorte e agora, mesmo ele tendo voltado a falar comigo, mal consigo falar com ele e nem o conheço tanto quanto você.

- Bem... - disse Anput soltando um suspiro sem tirar os olhos do portal para o Aaru - Vocês não tiveram um começo muito bom, isso é verdade. Mas isso não quer dizer que não possam continuar tentando.

- Quando foi que vocês começaram a se falar? - perguntou Osíris um tanto desatualizado.

- Quando estávamos tentando recuperar as partes de seu corpo, irmão. - disse Néftis olhando para Osíris e então gradualmente corando conforme ele se aproximava e depositava a mão forte em seu ombro.

- Não vou dizer que você não errou quando ele nasceu. - disse Osíris - Era uma situação complicada, entendo, podia ter pedido melhor e mais diretamente nossa ajuda, mas pelo menos está tentando recompensar esse tempo perdido.

- Terão muitos séculos para isso. - disse Thoth - Ele nem completou duas décadas ainda. Para um humano, isso já é praticamente metade da vida. Mas para nós...

- Eu sei... - disse Néftis.

- E também, - disse Anput - Conversamos e passamos tempo juntos desde quando ainda aprendiamos a ler. Vocês mal começaram a se falar. É normal eu conhecer ele melhor.

Néftis afirmou brevemente com a cabeça e voltou a olhar para o portal para o Aaru. Enquanto isso, a tranquilidade reinava no Aaru quando Anúbis se afastou indo embora e deixando Neby para trás depois de passar um bom tempo em sua companhia. Doía nele ter que deixar o pobre animal sozinho, mas pelo menos sabia que ali ele estaria bem pois o Aaru não reconhecia nem recebia qualquer tipo de infelicidade e problema. Foi com uma promessa de que não deixaria Neby sozinho que Anúbis deixou o Aaru e voltou para o Salão do Julgamento. Cabisbaixo, mas com o coração mais leve, ele foi recebido por vários pares de olhares curiosos. Os quatro deuses o olhavam com curiosidade e preocupação.

A Morte Das Areias do SaaraOnde histórias criam vida. Descubra agora