Capítulo 2

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A cidade de Kerma estava em alvoroço. Assim como todo o Egito e toda a Núbia. Era o dia do cortejo em comemoração à chegada de Chemu. O povo núbio estava às ruas, bem como egípcios e mercadores de outras localidades, aguardando a passagem da família real de Cuxe. As honrarias não eram as mesmas dadas à família real egípcia, em Avaris, mas o povo cuxita honrava seus reis de modo semelhante.

O cortejo se seguiu, com escravos carregando as liteiras e carros puxados por bois levando andores com as oferendas públicas, as honrarias às deusas Anuket, protetora da Alta Núbia, e Isis, deusa da fertilidade, e a Osíris, deus do renascimento. As sacerdotisas do templo de Anuket em Kerma vieram, e o sacerdote de Osíris, também do templo de Kerma, estava presente. Um carro levava o rei Zaki e a rainha Zarina, e logo atrás vinham os carros com os príncipes irmãos Aksumai, herdeiro do trono cuxita, Iana Urbi e Taú. O exército núbio se postara para proteção da família real, das sacerdotisas e do principal sacerdote, de cada lado das ruas por onde passaria o cortejo, e também guardas ao lado de cada um dos carros. À frente, um andor especial com a estátua de Osíris, seguida pela estátua de Ísis, e um andor menor para a estátua de Anuket. À frente seguiam as sacerdotisas, puxando o cortejo com danças e músicas.

Iana observava a tudo aquilo, recebendo as venerações do povo, que se curvava ante a passagem da família real cuxita. Mas sua mente estava longe. Tinha um pressentimento. Não sabia explicar exatamente, mas parecia que aqueles dias teriam um fim brevemente.

Ao lado de seu carro, estava o general Menik, que fazia a guarda da princesa pessoalmente. Ela o observou. Ele parecia eufórico. Sim, ela sabia. Aquele tipo de cortejo causava euforia nas pessoas. Mas tudo o que ela queria, naquele momento, era estar longe dali. A expectativa a estava matando.


***


Será que teria coragem de falar com ela? Menik não tinha ideia. Não tinha problema algum em enfrentar uma guerra, com carros e cavalos, e empunhar sua espada contra os inimigos do reino, seja de Cuxe, seja do Egito. Não via problema algum em enfrentar uma fera do deserto. Mas não conseguia criar coragem e falar com a princesa.

Durante anos nutrira amor pela Bela Flor dos Reis. Vira-a crescer e, quando atingiu sua maturidade e ganhou o jardim da princesa, pensou em falar diretamente com o seu pai. Mas não teve coragem.

Como poderia? Jamais receberia permissão para casar-se com ela. Pensava em criar coragem, ensaiava as palavras certas, mas nunca falava. O tempo foi passando, e agora ele estava ali, ao lado do carro que a transportava. E ela estava tão bela! Seu ar imponente de rainha, e seu olhar para todos os súditos, como se estivesse compenetrada pelas honrarias do povo, a deixavam ainda mais bonita.

E ainda mais distante.

Menik sabia que seu tempo estava se esgotando. Esperara cinco anos para que ela tivesse idade suficiente para se casar, e para que pudesse falar com ela, e agora sabia que não tinha mais tempo. Ela partiria em uma semana para Avaris, onde ficaria por dois anos aprendendo na Casa Jeneret, sob os cuidados das esposas do Senhor das Duas Coroas e da Grande Esposa Real. Aprenderia diretamente de Sehpset, o venerável das mulheres, o eunuco que tratava de ensinar as princesas e suas filhas, bem como as filhas de nobres que buscavam esta educação.

Mas sua euforia e nervosismo vinham de outro lugar. Esta manhã, na reunião sobre o cortejo, o Rei Zaki decidiu que Menik e alguns soldados fariam a viagem com a princesa, para sua proteção no trajeto, e levariam uma carga de presentes ao Soberano Ramsés II e à Grande Esposa Real Nefertari. Sabia que teria de voltar imediatamente, mas sentia que seu tempo ao lado da princesa estava sendo prorrogado e novas esperanças nasceram em seu coração.

A Princesa de CuxeOnde histórias criam vida. Descubra agora