Makena estava desolada. Aprendera a respeitar e amar sua senhora. Agora, ela estava perdida. Não teria um funeral adequado a uma princesa, e isso poderia prejudicá-la na entrada do Reino de Osíris. Era uma tragédia para qualquer egípcio. Como aquilo podia ter acontecido? Assistiu a velha senhora se retirar, de cabeça erguida, do salão do trono, e a porta ser fechada atrás de si. Como ela podia ser tão leal ao Deus de Israel? Como ela podia não ter medo do que viria a seguir? Ela já tinha idade avançada, podia morrer a qualquer momento, e não tinha medo de não atravessar os portais de Anúbis? Makena não conseguia entender.
Ela tinha fé num Deus que acabara de conhecer, indo de encontro a todas as crenças que existiam a muito tempo, mais tempo do que podiam conceber, mais tempo do que podiam saber. Muitos faraós e muitos egípcios vieram antes delas. Milhares. Centenas e centenas de anos. Todos os egípcios nasceram com aquela doutrina, com a história dos deuses, com sua fé, suas oferendas e seus rituais. Agradar aos deuses ou sofrer sua ira. Mas Bithyah não tinha medo de nada disso. Caminhava com andar resoluto e ar confiante. Num Deus que acabara de conhecer.
Claro que a dama cuxita não era cega. Vira, com seus próprios olhos, como a princesa fora protegida das pragas. Ela mesma entregou uma taça contendo sangue, e viu quando o sangue se transformou em água assim que a princesa tocou a taça. Ela viu como as rãs não entravam no quarto dela, mesmo com a porta aberta, como se houvesse uma parede invisível que a protegesse. E os piolhos? E as moscas? Ela viu tudo isso. Ela não teve um tumor sequer. Sua pele estava saudável como a dos hebreus. A proteção. Mesmo assim, era difícil superar todo aquele costume e crença que estavam gravados em seu coração e em sua vida.
Observar a princesa se retirar daquela forma era algo surreal. E por isso tomou uma decisão ainda mais surreal. Sem dizer nada ao Faraó ou ao Sehpset Husani, Makena juntou suas coisas e se retirou do palácio. Tão para sempre quanto sua senhora, a quem jurara servir. Makena pensou na Núbia e em seu passado, mas um passado do qual queria fugir, e não voltar para ele. Ali no Egito ela era uma criada, uma serva, uma dama de companhia que havia ido como uma nobre para o Baixo Egito para aprender mais, e acabou ficando, sem nunca retornar a Cuxe. Já havia abandonado aquela terra havia tempo.
Se iria se arrepender? Makena não sabia. Mas sabia que não deixaria a princesa Bithyah sozinha. Apressou-se pelo caminho e, em seu passo de mulher jovem, alcançou-a rapidamente no trajeto por Avaris. Como sabia, ela se dirigia para Gósen. Não havia melhor lugar para Bithyah ficar do que ao lado de seu filho Moshe.
E era para lá que Makena também iria.
Só esperava que também houvesse lugar para ela.
***
Anippe estava preocupada com a princesa. O que seria dela? Com certeza ela viveria com Moisés na vila dos hebreus. Mas e quanto à sua alma e sua vida após a morte? Precisava saber, e rápido. Não poderia viver com esta dúvida. E a única pessoa que lhe podia responder a essas questões era o próprio Moisés.
Voltou para o Harém. Precisava se preparar para visitar os hebreus. Mas não podia deixar que ninguém descobrisse, ou seria novamente acusada. Precisava de trajes de uma criada hebreia, seria mais fácil, pois elas se cobriam muito mais do que uma egípcia e não usavam perucas ou maquiagens. Ela podia cobrir a cabeça com um véu. As egípcias andavam praticamente sem roupa nas ruas, e a reconheceriam rapidamente.
O único hebreu que conhecia e que podia ajudá-la era o cozinheiro Quenaz. E assim que se lembrou dele, saiu do Harém e foi direto para a cozinha. Precisava de sua ajuda.
***
Tye sabia que algo como aquilo iria acontecer. Só não esperava a postura de Cairoshel daquela forma diante de Ramsés. Ela foi ousada, desafiou-o e não teve medo de sua sentença. Ela estava preparada para morrer. Mais do que isso: para perder sua vida após a morte. Aquilo era o pior castigo para um egípcio. E ela não teve medo. Que tipo de fé era aquela que Cairoshel demonstrava? Não compreendia. Será que o Deus de Moisés era tão forte assim que podia controlar o mundo de Osíris?
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...