Havia coberto suas feridas com a ajuda de uma escrava do palácio. Agora que a dor havia desaparecido, apenas a coceira permanecia. Mas com um pouco de unguento, conseguira alívio. O sol forte e o cansaço físico lhe deixavam ainda mais fraca, e pensar em todo o trajeto que faria de volta a Avaris deixava Iana tonta. E se outra praga caísse durante o caminho?
Não sabia o que fazer. Não estava longe de Kerma, afinal. Ao menos, não ainda. Saíram de lá e foram em direção ao deserto da Núbia, e se aproximavam da curva do Nilo após a quarta catarata quando ouviram o som de cavalos e cavaleiros. Um som que, em outros momentos, pareceria normal, mas não depois da praga dos animais. A caravana parou e todos se voltaram para trás. Uma nuvem de poeira precedia os cavalos e Iana já desconfiava de quem se tratava. Quando chegaram, ela percebeu que integravam a comitiva um mensageiro, dois carros com cavalos e alguns soldados. O mensageiro se aproximou.
— Princesa... — diz o mensageiro, curvando-se até quase tocar os joelhos com a cabeça. — Seu pai manda chamá-la de volta.
Ela observou os novos cavalos comprados pelo rei da Núbia.
— Mas eu...
— Ele insiste — disse o mensageiro. — E não aceita um não como resposta. Pediu para lhe entregar isto. — E entregou a ela um rolo fino de papiro.
Iana abriu o rolo e havia uma mensagem em escrita hierática, a que ela sabia ler – apesar de ter aprendido um pouco com Husani na Casa Jeneret da escrita sagrada.
Suspirou. Olhou para seus servos que a acompanhavam e fez um sinal com a cabeça.
— Vamos voltar.
***
As conversas estavam acaloradas na sala do trono entre os principais comandantes dos exércitos egípcio e núbio, e Ramsés observava as estratégias criadas por eles para resolver o impasse sobre o ataque iminente dos hititas e dos exércitos de outras cidades sendo organizados. O Faraó pôs uma mão na testa e suspirou. Parecia que nada daquilo chegava a um consenso. Seus filhos discutiam com os comandantes e entre si, tentando criar um bom plano de ataque, enquanto outros tentavam convencê-los que era melhor a defesa das terras, e assim por diante.
Jahi serviu-lhe vinho, ao que ele provou sem muito entusiasmo. Voltou-se para si mesmo, desligando-se temporariamente daquela discussão e observando suas próprias feridas, tratadas por Meryaton e cobertas com linho escovado e macio.
Foi neste exato instante em que as portas se abriram e Moisés e Arão entraram. Ramsés ficou de pé de um salto, e todos os comandantes, ao perceberem sua atitude, voltaram-se para a entrada, abrindo imediatamente espaço para os dois hebreus que se aproximavam. Ramsés não entendeu porque aqueles dois provocavam esse tipo de reação nas pessoas. Mas desistiu de tentar. Afinal, eles entravam em seu palácio quando queriam, e não havia soldado que conseguisse demovê-los. Simplesmente, a presença de Moisés causava algo neles, e eles os deixavam entrar.
Um silêncio perdurou sobre todos na sala enquanto Moisés se aproximava com o irmão. Quando os dois chegaram ao centro, Moisés ergueu sua voz, e novamente Ramsés experimentou aquela sensação estranha, de que a voz não o pertencia.
— Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus!
Uma pausa e todos deram um passo atrás. Ramsés engoliu em seco, sabia o que viria a seguir.
— Deixa ir o meu povo, para que me sirva. Pois esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coração, e sobre os teus oficiais, e sobre o teu povo, para que saibais que não há quem me seja semelhante em toda a terra.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...