Capítulo 34

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A embarcação seguia viagem rio acima. Assim que saíram de Memphis ela percebeu a mudança. O cuidado do Faraó fora até ali, a cidade em que ele construía monumentos e templos suntuosos em sua própria homenagem, despendendo força escrava e recursos de forma desproporcional ao momento em que estavam vivendo.

As cidades estavam entregues à própria sorte. Funcionários do governo e escravos se encarregaram de retirar as carcaças de rãs das ruas, mas não as recolheram ou incineraram, e elas formavam grandes montões em esquinas e nas entradas das ruas principais. À beira do Nilo se acumulavam rãs, aves e peixes mortos, e suas carcaças a céu aberto, recebendo os raios de sol inclementes durante todo o dia fizeram com que o cheiro fosse insuportável; e muitos barqueiros encerravam suas atividades, evitando navegar por muito tempo.

Isso fez com que a viagem de Iana demorasse mais do que o necessário. Precisavam fazer algumas paradas no caminho e se abrigar em estalagens longe do rio para respirar e recuperar as forças, se hidratar e se proteger de doenças. Mas isso não significa que as coisas fossem melhores. As ruas estavam repletas de animais mortos e doentes, e era cada vez mais comum ver carpideiras e cortejos fúnebres aqui e ali, de pessoas de classe social mais baixa.

Ver tudo aquilo deixou Iana abatida, e com medo do que encontraria em Kerma quando chegasse. A primeira tarde transcorreu em agonia, e a primeira noite Iana passou em Dashur, rio acima após a cidade de Memphis, e tudo parecia um caos, mesmo estando próximo à cidade cuidada pelo Soberano.

Fechou as janelas da estalagem ao cair da noite, e protegida em seu quarto, usou unguentos em lenços para conseguir dormir. Esperava que o dia seguinte trouxesse um pouco mais de paz, e que sua viagem pudesse prosseguir com maior rapidez. Achava que seria difícil, visto as condições dos barqueiros e do rio, mas tinha fé. Uma fé num Deus que era capaz de ultrapassar todas as regras da natureza.

Segurou em suas mãos novamente o selo de Moisés e o beijou. A saudade lhe apertava o peito, mas sentia como se ele estivesse ali, ao seu lado. Segurando-o em uma das mãos, olhou o desenho das chamas entalhado na madeira e na cerâmica, tremeluzindo à luz da única vela que tinha ao seu lado, na mesinha ao lado da cama. E assim, adormeceu, embalada pela esperança.


***


A noite chegou e Moisés pensou em sua futura esposa. A esta hora, estaria longe? Fez uns poucos cálculos e pensou que já tivesse ultrapassado Memphis. Mas não sabia exatamente como estavam as margens do Nilo após aquela cidade. Ouvira histórias sobre doentes e mortos nas cidades mais distantes, e calculou que ela não tivesse ido muito longe.

Orou por ela. Pediu a Deus que a protegesse e a levasse em sua viagem o mais rápido possível, para que estivesse de volta a tempo de partir junto com seu povo.

Suspirou. Lembrou-se de Ramsés. Havia orado por ele no dia anterior, conforme ele mesmo pedira. Mas ele se recusou a cumprir sua parte na promessa. E agora, no dia seguinte o gado amanheceria doente. Isso seria terrível.

O Egito estava cada vez mais vulnerável, cada vez mais enfraquecido. Ele podia ver. As pessoas não confiavam mais em seus deuses, que eram um a um humilhados por Deus. As pessoas pararam de confiar em Ramsés. Muitos egípcios estavam morrendo diariamente por causa das pragas. A comida estava ficando cada vez mais escassa, e agora, o gado seria atingido. Se Ramsés não mudasse rápido de ideia e não cedesse ao Deus de Israel, o Egito seria destruído, aniquilado.

Balançou a cabeça.

Por que Ramsés tinha de ser tão teimoso?


***


As oferendas se encerraram no templo de Amun. Os quatro deuses foram agraciados. E agora, Ramsés esperava passar uma noite inteira em vigília, assim como fizera com a deusa Heqet. Lembrou-se da ocasião. Não fora atendido naquele momento. Mas o fato de as rãs terem deixado o Egito depois podia ser um sinal de que ela o ouvira.

A Princesa de CuxeOnde histórias criam vida. Descubra agora