Iana estava atônita. Lágrimas escorriam por sua face negra, e seus olhos refletiam o mar, fechado, voltando ao seu curso normal e encerrando em seu ventre seu irmão Taú. Um grito estava engasgado em sua garganta. Mais um irmão perdido em tão pouco tempo! Primeiro Aksumai, na Praga dos Primogênitos, por não ter feito a escolha certa. E agora, Taú, por vir de encontro ao Deus de Israel em honra ao Egito e em vingança ao irmão.
O que seria de seus pais? O que seria de sua mãe Zarina? Perder dois filhos de forma tão trágica! E quanto a ela mesma? Ela iria embora, e a casa de Zaki ficaria vazia, sem herdeiros. O que seria de seu pai e do Reino de Cuxe?
O choro veio silencioso, como estava todo o povo diante do Mar, diante de tudo o que acabara de acontecer. Então, ouviu uma voz, clara e doce, numa melodia solitária.
Cantarei ao Senhor
Por seu triunfo glorioso
Ele mesmo lançou
No mar cavalos e cavaleiros...Iana voltou-se, tirando os olhos do mar e dos escombros que eram levados pela correnteza para longe, e voltando seus olhos para trás, onde aos poucos se abria um grande círculo, e uma mulher estava no centro dele, de costas para ela. A mulher ergueu no alto da cabeça um tamboril, e deu uma batida forte. Em seguida, continuou a melodia, que parecia uma melodia triste, um lamento, mas ao mesmo tempo, trazia uma carga emocional de vitória, de celebração. Parecia um paradoxo, uma contradição, mas era assim que todos se sentiam naquele momento, era assim que Iana se sentia.
O Senhor é a minha força
E o meu cântico,
Ele me foi por salvação,
Por isso rendo-lhe adoração!Algo parecia se mover entre todos os presentes. Não era um movimento comum, pois ninguém se mexia. Todos estavam parados como estátuas, diante da música envolvente da mulher. Ela se virou após mais uma batida. Era Miriam, a irmã de Moisés, a parteira Puah das nobres egípcias em Avaris, a profetisa dos hebreus em Gósen.
Ele é o Deus de meu pai
Por isso o exaltarei.Iana sentiu algo totalmente diferente invadir seu coração. Era como se uma alegria sobrenatural a atingisse em cheio, e as palavras e ações de Miriam fossem de total gratidão. Foi quando Miriam começou um ritmo alegre no tamboril. O povo hebreu abriu espaço para ela, e ela começou a dançar em círculos, cantando e dançando, capturando a atenção de todos os presentes. A notícia se espalhou, e muitos se aproximaram, empurrando uns aos outros para ver a dança e a música da profetisa Miriam. Sua boca se abria, e dela saía um poema cantado, louvando a YHW sobre o povo egípcio. As atenções do povo saíram do mar e da tragédia que acabara de acontecer, e se voltaram para a glória do que havia sido firmado ali, através da melodia cantada pela irmã de Moisés.
Iana assistia a tudo em silêncio, lágrimas ainda descendo por seu rosto pela morte de seus irmãos, mas algo estava diferente. Era uma alegria e uma gratidão pela liberdade que Deus acabava de dar ao seu povo. Diante de seus olhos, Miriam girava em torno de si mesma, e também em um grande círculo, que se abria cada vez mais para ela. O toque no tamboril foi acompanhado por palmas, e logo todos cantavam e dançavam em seus lugares, acompanhando a música com batidas de mãos e de pés, ditando o ritmo daquela dança de vitória.
Lançou no mar os carros de Faraó
E o seu grande exército,
Os seus capitães se afogaram no Mar Vermelho,
As ondas os cobriram
E desceram às profundezas como pedra.Não demorou muito. Algumas mulheres hebreias também se juntaram a Miriam, algumas com tamboris, e foram para trás dela, imitando seus movimentos e mudando a dança para uma dança em filas. Miriam guiava, serpenteando pelo espaço que se tornava cada vez maior, e cantava versos que eram repetidos por elas e, depois, por todos os que as assistiam. Iana viu quando Makena também se juntou às mulheres, dançando e imitando-as na fila, e, contagiada, também correu para estar ao seu lado. Esse foi o sinal para que outras mulheres cuxitas, que integravam a grande caravana, também se juntassem.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...