Já estava há seis dias em Cuxe. A saudade era tão forte que Iana sentia o peito doer. Há três dias não havia pragas. As pedras foram retiradas das ruas e o jardim do palácio começou a ser reconstruído após a retirada do que havia sobrado dele. Viu quando levaram as tamareiras que haviam caído com a força da chuva. Agora, o jardim parecia um descampado, o chão destruído, e a piscina seca e rachada. Não havia vida ali.
Iana entrou. Estava bastante melancólica e observar aquele jardim a deixava ainda mais triste. Precisava se alegrar um pouco, mas não sabia o que fazer. Queria estar ao lado de seu amado Moisés, mas também queria aproveitar o tempo com seus pais. Afinal, dali a alguns dias não os teria mais com ela. Estaria longe, assim ela esperava.
Encontrou a mãe na saleta de jogos, sentada em seu divã preferido. Ela não voltou seu olhar para a filha; estava pensativa, olhando o altar de deuses à sua esquerda, na parede principal. Iana acompanhou seu olhar e viu as estátuas, em tamanho maior que o natural, dos deuses Osíris, Ísis e Amon. Diante dele, uma pequena pira queimava o tempo todo, e havia algumas oferendas de frutas colocadas ali recentemente.
— Não tivemos oferendas suficientes para dar aos deuses hoje... — a voz de Zarina era distante.
Iana se aproximou da mãe, sentando-se ao seu lado. Nada disse, apenas continuou em silêncio, observando-a.
— Muito se perdeu com a chuva de pedras. Mal há para nós... — Zarina suspirou. — Se com oferendas os deuses nos abandonaram, imagine se deixarmos de agradá-los e ficarem aborrecidos. Não sobreviveremos à ira de todos esses deuses, por cima dos julgamentos do Deus dos hebreus.
Iana abraçou a mãe.
— Não sei o que dizer, minha mãe.
Zarina voltou-se para a filha.
— Não há o que dizer. É simples. Vamos todos morrer. Vamos sobreviver, claro, por algum tempo. Mas será o tempo suficiente de mercadores estrangeiros perceberem que estaremos comprando gado demais, comida demais. Eles avisarão aos seus próprios povos que estamos destruídos, que não há mais nada aqui além de pedras preciosas e ouro. — Zarina riu tristemente — Quanto tempo acha que levará para juntarem um exército e tomarem o reino? Cuxe não é o Egito. O Egito pode exigir que o exército núbio se junte ao deles e acabe salvando a terra. Mas e nós? Ficaremos desprotegidos. Bem, já estamos. Duas grandes comitivas de soldados nossos foram convocadas. Seus irmãos estão na capital egípcia para proteger o Faraó de invasões externas. E nós... Estamos com poucos soldados aqui. Não sei o que será de Cuxe, minha filha.
— O que o papai pensa disso?
— Seu pai está preocupado. Não fala muito sobre o assunto, claro. Mas eu vejo. Eu sei. Ele anda pelos cantos, faz reuniões cansativas com os nobres e os conselhos. Toma decisões. Está cada vez mais irritadiço.
— E quanto à comida? Eu soube que a última colheita está salva.
Zarina balança a cabeça.
— Sim, filha, está. O trigo e o centeio brotaram após a limpeza das pedras. Mas até quando será assim? Não sabemos ao certo o que está acontecendo em Avaris agora. E se surgir uma nova praga?
***
Moisés e Arão adentraram a sala do trono. Como sempre, aquela intromissão causou comoção em todos os presentes. Naquele momento, Amenhotep e seu irmão Pahermenef, bem como Ramsés, filho de Isisnefer, e os generais egípcios e núbios se reuniam para definir os aspectos finais da estratégia de defesa do território egípcio contra uma possível ofensiva hitita. As últimas notícias eram que os hititas não atacariam, mas estariam instigando outros povos a se juntarem e atacarem o Egito. A notícia das pragas se espalhara, e em Moabe já se falava que a nação dos deuses estava fraca e abandonada pelas divindades. Que bastaria aguardar um pouco, e seria bastante fácil tomar aquela terra fértil.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...