Moisés levantou-se cedo. Não porque houvesse perdido o sono; afinal, não pregara o olho um momento sequer aquela noite. Mas porque havia uma missão para ser cumprida antes do nascer do sol. Arão já esperava por ele do lado de fora da casa de Yoquebed. Suspirou ao olhar para o céu, ainda salpicado de estrelas. Sentiu saudades de Iana Urbi, que tinha os olhos brilhantes como as estrelas do céu. Aquele dia seria um dia muito difícil para ela, que estava longe dele já havia dias.
Vinte e cinco dias já haviam se passado desde que ele chegara ao Egito. Aquele era o vigésimo sexto dia, um dia em que, pela primeira vez, o Egito não veria o tão esperado nascer do sol. Seria um dia terrível, pois o principal deus de seu panteão, Rá, não sairia vencedor de sua guerra diária contra a escuridão. Os egípcios se sentiriam mais do que abandonados. Se sentiriam perdidos, derrotados.
Os dois irmãos hebreus seguiram para fora de Gósen, deserta àquela hora, e saíram da cidade em direção ao monte em que lançaram a Chuva de Pedras. De lá podiam ver toda Avaris e além. Os pensamentos de Moisés estavam, naquele momento, focados em seu trabalho. No dia anterior, YHW havia lhe falado novamente. Mais uma vez, Moisés não daria o aviso ao Faraó, e lançaria a Nona Praga sem que houvesse chances de Ramsés ou dos egípcios dizerem qualquer coisa. "Do que adiantaria avisá-lo?", pensou Moisés. "Ramsés não os deixaria ir de qualquer modo. A Nona Praga seria derramada sobre o Egito."
Ao chegar ao topo do monte, Moisés e Arão estenderam sua mão sobre o Egito. E naquele mesmo instante, eles viram quando as estrelas se apagaram, da mesma maneira como se apaga uma tocha. A lua desapareceu no céu, e todas as luzes acesas pelos egípcios, sejam tochas, sejam velas, ou qualquer outra fonte de luz, se apagaram, e o Egito mergulhou em Trevas Densas.
***
O corpo de Tye havia sido levado para a ala dos sacerdotes, e Meryaton dispensou a todos para trabalhar sozinho. Khamuaset fez menção de ajudá-lo, mas o sacerdote de Amon-Rá o dispensou. Passaria a noite sozinho, analisando o corpo de sua avó. Aquela morte não fora casual, ou mesmo uma morte natural. Algo intrigava o filho de Nefertari, como se visse novamente a mesma coisa acontecer.
Meryaton estudara bastante na Casa de Vida antes de se tornar um sacerdote. E depois, quando viajara por todo o Egito para conhecer as cidades e os templos, também estudara ainda mais. Ele não era nenhum tolo. Era o sumo-sacerdote mais importante do Egito, e tinha por obrigação conhecer muitas coisas. Entre elas, a história.
Muitos Faraós, antes de seu pai e seu avô, haviam morrido em circunstâncias misteriosas. Muitos haviam sido declarados mortos por causas naturais, mas, depois de alguns anos de estudo, Meryaton soube que algumas substâncias podiam fazer o mesmo efeito sem deixar vestígios.
E o fato de Isisnefer ter aparecido na ala dos sacerdotes no mesmo dia em que Tye morreu o deixou bastante desconfiado. Sabia que seu irmão Khamuaset, filho de Isisnefer, não deixara a ala dos sacerdotes em nenhum momento. Então, como foi arranjada a substância para matar Tye?
Era o que Meryaton precisava descobrir. Por isso, sem que ninguém soubesse além dele mesmo e de um servo de sua alta confiança, pediu que recolhesse todo o serviço de jantar que Tye recebera naquele dia, antes que os servos da cozinha o fizessem. Guardou-o bem escondido em sua sala particular, na ala dos sacerdotes, para que pudesse analisar sozinho. Pensou na dama de companhia de sua avó. Àquele exato momento, ela estava presa aguardando ser julgada por seu pai. O próprio Meryaton pediu que ninguém tivesse acesso à dama cuxita, e pediu que ela ficasse totalmente isolada numa cela, sem receber comida nem água.
Mas esse pedido nada tinha a ver com tortura ou castigo. Tinha a ver com suas próprias conjecturas e reflexões. Olhou à sua volta. O corpo de Tye jazia imóvel sobre a bancada, onde os processos de mumificação se iniciariam assim que o sol nascesse. Não permitiu que ninguém fosse vê-la, e exigiu um soldado à porta da sala a noite inteira. Meryaton estava bastante desconfiado, e sabia que, se alguém houvesse tirado a vida de sua avó, esse alguém tentaria apagar qualquer vestígio que ainda houvesse sobrado no corpo dela.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...