Avaris, Egito – Capital do Império
Ano 24 do Senhor das Duas Terras,
O Soberano Ramsés II
Acabara de aportar na cidade de Ramsés, e seguiu diretamente para uma estalagem. Menik sabia que o Faraó havia chegado de Assuan, após a inauguração de Ibsambul, e estava em festa no palácio. Era certo que não o receberia aquele dia.
Não sabia o que seria dele dali por diante. Abdicou de seu cargo no exército núbio, e estava pronto para oferecê-lo ao soberano; e aos seus filhos, Amenhotep e Pahermenef, generais. Sabia que seria aceito. Amenhotep conhecia sua capacidade com as armas e com os carros e cavalos, e sabia de sua habilidade com a espada. Já lutara ao lado deles em pequenas campanhas, e não tinha dúvidas quanto à sua integração ao exército egípcio.
Mas sua dúvida era com relação a Iana. Já tentara tantas vezes se aproximar dela, sem sucesso, que não tinha a menor ideia do que aconteceria dali pra frente. Sabia que suas frustrações eram fruto de sua própria incapacidade de falar com ela, de enfrentar as situações e ter coragem suficiente de encará-la e confessar-lhe seus sentimentos.
Chegava a ser patético imaginar a si mesmo diante de Iana sem conseguir dizer-lhe o que pretendia. Era um pária diante de uma princesa tão delicada e doce, uma verdadeira flor da Núbia.
Agora não adiantava pensar mais sobre o assunto. Já estava em Avaris, e no dia seguinte falaria com Amenhotep, Pahermenef e com o próprio Soberano. Integraria as forças egípcias em breve.
***
Houve silêncio no palácio do rei. A sala do trono, apinhada de pessoas, ficou calada diante dos dois homens. Um era claramente um escravo hebreu. Dava para perceber diante de suas roupas rotas, tecidas de forma rústica, característica do povo que vivia na região de Gósen, próximo à capital. O outro não se sabia qual era sua nacionalidade. Vestia-se como um dos povos que vivia além Mar Vermelho, próximo ao deserto do Sinai, ao mesmo tempo, parecia com um pastor de ovelhas, mas suas vestes mostravam-se mais bem cuidadas e melhor cosidas do que as do escravo hebreu.
Iana teve a sensação de estar diante do homem mais belo que jamais vira. Tinha os cabelos escuros com uns poucos fios brancos nas têmporas e os usava longos, à moda dos escravos hebreus. Trazia duas tranças finas nas laterais, prendendo-as atrás da cabeça e deixando o restante dos cabelos soltos e, àquela distância, parecia a Iana que chegavam ao meio das costas. Seu rosto era anguloso, e sua barba era escura, destacando-se na pele clara levemente bronzeada pelo sol. Tinha uma firmeza no olhar que demandava a autoridade de um príncipe, apesar de não parecer um. Ao menos era o que Iana acreditava.
Mas o que fez todos se calarem foi a reação de duas pessoas.
Uma delas era o Faraó. O soberano, ante a entrada dos dois, ficou de pé. Quem estava mais próximo a ele podia jurar tê-lo ouvido sussurrar: "Mas não é possível." A outra foi a princesa Cairoshel, de pé, próximo à princesa Henutmire.
Cairoshel deu um passo à frente, e quase desfalece, sendo amparada pela irmã de Ramsés.
— Moshe? — disse, com a voz enfraquecida pela idade avançada.
Todos se voltaram para os recém-chegados. Ramsés continuou de pé.
— Moisés? — perguntou ele.
O tal homem curvou a cabeça, assentindo. O Faraó suspirou, fechou os olhos por um momento e, depois, como se nada houvesse acontecido, voltou a sentar-se, fazendo sinal para que seu copeiro o servisse de vinho.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...