Moisés e Arão desceram o monte e seguiram de volta para Avaris. A chuva de pedras castigava a terra, mas nenhum pedrisco sequer caía onde eles caminhavam. Por todo o trajeto encontraram pessoas e animais mortos, apedrejados e esmagados por pedaços de estátuas e construções. Era difícil ver aquela cena.
— Soc... Socorro...
Moisés ouviu a voz fraca. Parou de andar e Arão parou ao seu lado.
— O que foi?
— Ouvi alguém pedindo socorro...
Ouviu novamente. Caminhou para o lado em que ouvira a voz, passando por cima de um homem e uma mulher, mortos, e então ouviu novamente. Aproximou-se e o encontrou. Era um homem. Ele estava caído no chão, de bruços, e havia um enorme pedaço de construção caído no meio de suas costas. Seu rosto estava machucado, provavelmente outras pedras haviam caído ali, e um de seus braços estava completamente destruído. Havia sangue por todo o seu corpo, e um de seus olhos estava tão inchado que não se abria. O outro focalizou o rosto de Moisés, que se abaixou para vê-lo. Ele abriu a boca para falar, mas a voz saiu muito fraca, e Moisés não entendeu o que ele queria dizer.
— Não compreendo... O que disse?
Moisés analisou a cena e sabia que não havia formas de salvá-lo. Sentiu muita pena do homem. Era um homem jovem a julgar pela compleição física do que se podia ver; provavelmente um comerciante a julgar pelos parcos trajes e pela riqueza de suas joias. O homem tentou falar mais uma vez, e Moisés se aproximou mais, quase encostando o ouvido em seus lábios.
— Não... Con-se-gui... Che-gar...
— Você tentou chegar e não conseguiu.
O homem engoliu em seco, mas estava difícil falar. Tentou continuar.
— Não... Con-se-gui... Sal-var...
Moisés não entendia o que o homem queria dizer.
— Veja, Moisés — disse Arão, se aproximando.
Moisés olhou o que Arão lhe mostrava. A mão do homem que ainda estava inteira apontava para um lugar. Os dois olharam na direção em que ele apontava e viram uma menina. Criança ainda, provavelmente na faixa dos sete anos. O olho bom do homem estava agora fixo no corpo da garotinha morta. Ela havia sido atingida por um pedaço de uma escada construída do lado de fora de uma casa, e que havia se desprendido ao ser atingida por uma pedra em chamas. Moisés voltou-se para o homem, mas seu último suspiro já havia sido dado, e seu olhar parara vidrado no corpo de sua filha.
Moisés sentiu-se profundamente tocado por aquela cena. Um aperto no peito e na garganta lhe acusavam. Ele não queria nada daquilo. Nunca, em nenhum daqueles vinte dias que já haviam se passado, ele pensara nas pragas de um modo generalista. Ele vira o sofrimento de cada uma das pessoas, e o quanto as pragas podiam machucá-las e matá-las. Ele sabia disso. E não quisera nada disso para aquele povo.
— Por que Ramsés não pode simplesmente ceder? — disse ele entredentes.
Arão abraçou o irmão e conduziu-o pelas ruas de Avaris, em direção a Gósen. Ainda puderam ver muitas outras cenas como aquela, e muita gente se arrastando, tentando encontrar abrigo do céu que parecia desabar.
— Onde estás, Osíris? — gritava uma mulher de sua porta aberta, protegida dentro de sua casa. Mas ela segurava a mão de um homem, cujo corpo fora atingido por pedras e estava estendido, como que se arrastasse em direção à casa e quase alcançara o abrigo de seu lar. — Deus do Fogo! Como permitiste que uma chuva de fogo do céu destruísse minha família? Ísis, deusa do lar! Onde estavas?
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...