Ventou a noite inteira. Um vento frio que adentrava as frestas das portas e janelas de todos os habitantes do território egípcio, fazendo um barulho assustador. Na ala dos sacerdotes, Meryaton e Khamuaset presidiram, durante toda a noite, rituais e oferendas aos deuses. A Isis, deusa da fertilidade e da colheita, pediram que desse força aos brotos de centeio e trigo para que sobrevivessem àqueles tempos de crise. Ao deus Geb, a Terra, pediram que fortalecesse as plantas e as árvores que restaram da Chuva de Pedras contra aquela praga que vinha do Deus dos Hebreus. E ao deus Shu, o deus dos ventos, que contra atacasse aquele vento oriental impetuoso que iniciara pouco depois de Moisés deixar o palácio, e que assustava todos os moradores egípcios. O medo estava instalado no coração de todos, e tudo o que queriam era sobreviver.
Mas nada aconteceu. Continuou ventando a madrugada inteira. Não importava o quanto Meryaton e os demais sacerdotes queimassem incensos, oferecessem o que ainda lhes restava de produto da terra e ajoelhassem e orassem em alta voz, clamando pela misericórdia dos deuses. Pela manhã, aconteceu o pior.
O vento continuou, e com ele, um barulho ensurdecedor. Parecia um exército, e patas de cavalos correndo unidas. Parecia, ao mesmo tempo, uma gritaria de pássaros ao alvorecer. Mas não era nada disso. Quando Ramsés II olhou pela sua janela particular, ele viu. Subindo do oriente, cobrindo o sol de Kepri, uma nuvem escura. Mas não era nuvem.
Eram gafanhotos.
Centenas de milhares. E vinham em direção ao Egito.
***
Iana esperava por aquilo. Perto do nascer do sol, o barulho do vento foi ficando ainda mais forte, e as cortinas de seu quarto foram arrancadas. Não se assustou tanto, pois já não podia dormir. Olhou as estrelas e clamou pela misericórdia do Deus de Israel. Ela já sabia o que ia acontecer: a oitava praga. Só não sabia do que se tratava.
Levantou-se depressa, vestiu o kalasiri e uma túnica por causa do frio e foi em direção à porta de seus aposentos, que dava acesso ao seu jardim particular – ou o que restou dele. Viu quando o céu começou a clarear, e as estrelas, pouco a pouco, foram se apagando. Segurando forte o selo de Moisés, as chamas da família do patriarca Levi, como ele mesmo lhe ensinara, assistiu ao impensável.
Uma nuvem, vinda do oriente, parecia cobrir e esconder novamente o sol. Uma nuvem escura. Uma terrível nuvem. Ela foi precedida do barulho, e Iana correu de volta para o quarto. Não havia onde se esconder. As janelas não tinham trancas. O único lugar no palácio que não tinha janelas era a prisão do palácio de Kerma.
— Mãe! Pai! — gritou Iana pelo corredor, enquanto corria. Uma serva cruzou seu caminho. — Chame o rei e a rainha. Só há um lugar para se esconder: a prisão! Ande!
A serva pôs-se a correr. O barulho ficava ainda mais alto. Não daria tempo! Olhou para trás e viu quando seus pais, ainda em trajes de dormir, corriam atrás dela, tendo sido acordados por barulho do vento.
— O que está havendo? — gritou Zaki.
Alguns servos já os seguiam, correndo desesperados para a parte mais escondida do palácio.
— A oitava praga está vindo!
— E o que é? — disse Zarina.
— Gafanhotos!
Ao terminar de dizer a palavra, Iana viu quando um enxame maior do que tudo o que já presenciara ou ouvira falar em sua vida, maior que o enxame da Praga das Moscas, invadiu o palácio por todas as aberturas – portas, janelas, corredores. Eram gafanhotos enormes, maiores do que uma mão espalmada, e vinham em centenas de milhares, ela podia calcular, sem ter muita certeza. Eles cobriram a tudo e a todos. Não havia como escapar deles.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...