Amanheceu o primeiro dia após a Praga das Trevas Densas. O sol parecia trazer luz ainda mais intensa para as terras egípcias, renovando as esperanças de egípcios, cuxitas e hebreus. Em Kerma, Iana se despedia de seus pais.
— Espero revê-los em breve — disse ela beijando sua mãe no rosto e, em seguida, abraçando seu pai. — Portanto, isto não é um adeus definitivo.
Zarina suspirou.
— Diga-nos: onde será o casamento?
— Acredito que será aos pés do Monte Sinai.
Zaki assentiu.
— Pensei que Moisés viria buscar você aqui, em Cuxe.
Iana franziu o cenho.
— Por que pensou isso?
Zaki entregou-lhe a mensagem que dias antes havia chegado. Iana leu.
— É verdade... Será que devo esperá-lo?
— Fique, minha filha! Se ele disse que virá, você deveria aguardá-lo aqui, com sua família, antes de partir definitivamente.
Iana olhou para seu pai. Ele parecia suplicar, algo que não lhe era costumeiro. Mordeu o lábio inferior. Sua decisão já estava tomada. Queria encontrar Moisés o mais rápido possível. Não podia esperar que outra praga se derramasse. Ela sabia que os números eram importantes, sim, ela sabia. Os números eram importantes para egípcios e cuxitas. Por que não o seriam para os hebreus? Nove pragas já se derramaram sobre o Egito. Mais uma, e completariam dez pragas. Um número perfeito. Sabia que viria mais uma. Se fosse a última, seria a pior de todas. E tinha medo de não poder viajar.
— Não posso. Tenho que ir antes que a décima praga caia sobre o Egito. Não posso esperar.
Zarina nada disse. Apenas abraçou a filha e beijou-lhe os olhos.
— Que os deuses te acompanhem.
Zaki se aproximou.
— Você resolveu seguir o Deus Invisível dos hebreus. Então, que este Deus a recompense por sua lealdade e te acompanhe, e cuide de você.
Iana se emocionou com as palavras de seu pai e abraçou-o fortemente. Em seguida, se dirigiu para a comitiva que a aguardava, composta de uns poucos animais comprados de um reino ao sul da Núbia, e se acomodou. Acenou para eles e se foi, afastando-se gradativamente do palácio e de Kerma, de seu passado, com os olhos voltados para seu futuro ao lado de Moisés e do povo hebreu.
***
Na sala do trono, Ramsés assistiu aos oficiais trazendo a dama Zene ao centro, onde seria julgada pela morte de sua mãe, Tye. Iniciou o ritual, clamando pela presença de Maat no meio deles. Zene era escoltada por dois guardas. Estavam presentes ainda Jay, o vizir; o sumo-sacerdote de Rá, Meryaton; o primogênito Amenhotep e seu irmão Pahermenef, além de alguns outros nobres do reino. Mas seu olhar foi diretamente para Aamas, e este sorriu com o canto dos lábios.
Para iniciar o julgamento, Meryaton se aproxima do centro do salão, dirigindo-se ao seu pai, o Faraó:
— Infelizmente não pude concluir a análise do corpo da senhora Tye, a mãe do Soberano. Quando ia iniciar o processo, a luz de Rá nos faltou, e não podia permitir que o corpo se deteriorasse, aguardando indefinidamente a presença do sol no céu. Portanto, precisei iniciar o processo de mumificação, o que deixou o corpo de Tye sem condições de ser analisado mais aprofundadamente. Neste momento, o corpo encontra-se mergulhado em natrão, e assim estará pelos próximos dois meses. Quanto à refeição servida pela dama cuxita a ela, estragou antes que eu pudesse examiná-la, durante a escuridão, e foi preciso descartá-la. Não posso afirmar que Tye foi ou não envenenada. Não há nada que comprove o envenenamento ou descarte esta possibilidade.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...