Capítulo 28

102 7 1
                                    

O amanhecer no Egito não teve a sensação de renascimento que sempre dava em seus habitantes. Teve cheiro de desespero, de agonia, de dor. As pessoas não conseguiam dormir por causa das feridas que doíam, e também coçavam bastante. Gritos durante a noite podiam ser escutados em toda a parte. Em outras localidades, a situação era ainda pior. Quanto mais longe de Avaris, mais a população sofria com a podridão que se acumulava às margens do Nilo, com carcaças de peixes podres por causa da Praga do Sangue que ainda não haviam sido recolhidas, e pelas ruas e esquinas de cidades e periferias se acumulavam monturos de rãs mortas, que ainda não haviam sido recolhidas após a Praga das Rãs. Em algumas cidades a situação era tão crítica que várias pessoas tiveram de se mudar por causa do mau cheiro e das doenças que acarretavam dos animais apodrecidos. Os subgovernadores das cidades estavam mais preocupados com seu próprio bem estar, e com a distância da capital, deixaram esses serviços de lado. Dezenas de egípcios morreram decorrente da sede durante a Praga do Sangue, e outras centenas por causa das doenças que sobrevieram após as duas pragas.

E agora, os sobreviventes sofriam com a Praga dos Piolhos, que os deixara em agonia durante todo o primeiro dia, e durante a noite. O nascer do sol para esses não trazia nenhuma esperança. Muitos cogitavam morrer, tirar as próprias vidas de alguma maneira, tamanho era o desespero.

Na capital do Egito, a situação era um pouco melhor. Ramsés mandara recolher as rãs e os animais mortos às margens do Nilo. Mas a notícia da morte da rainha havia abalado todos, desde nobres a escravos, desde oficiais a servos, do palácio às feitorias. Até mesmo os hebreus em Gósen estavam tristes com o que havia acontecido.

Iana estava sentada no chão, com fome, machucada, e sua única companhia era Kéfera. Esperava por sua sentença de morte, que vinha certa como o sol percorreria seu caminho até o poente. Quanto mais o tempo passasse, pior seria. Por isso o nascer do sol não lhe trouxe nenhuma esperança. A única esperança que guardava no peito era que o Deus de Moisés pudesse tê-la, de alguma forma, ouvido na noite anterior. Se Menik usasse as informações que lhe dera para ajudar seus pais a sobreviverem, convencendo o Faraó a não retaliar em sua família, já estaria no lucro.

Queria chorar, mas não tinha mais forças nem lágrimas. O que precisava fazer era esperar. Não havia outro jeito. Esperar e se coçar...


***


Makena havia acabado de contar a Bithyah o que acontecera com Iana. Ela soubera da morte de Nefertari, mas como não podia sair do quarto por estar com a pele limpa e lisa, sem nenhum traço da Praga dos Piolhos, Makena preferiu não lhe dar a notícia da prisão da Princesa de Cuxe. Esperou que chegasse o dia seguinte para lhe contar o que acontecera.

Bithyah, como era esperado, ficou abatida.

— Preciso vê-la —, disse ela, já se levantando, ao que Makena a impediu.

— Não, senhora! Se alguém a vir assim, com a pele lisa, saberá que as pragas não a atingem! E isso pode ser um problema para a senhora, não se esqueça! Do mesmo jeito que Iana foi acusada de traidora por se encontrar com Moisés, a senhora também pode ser acusada.

— Moshe é meu filho! Ninguém pode me acusar de trair o Egito quando ele foi criado por mim na tradição egípcia!

— Mas agora ele enfrenta o Soberano!

— Meu sobrinho tem a cabeça como as pedras de suas estátuas. Sólidas e imensas. Constrói gigantescos monumentos em honra a si mesmo, querendo atrair adoração e atenção, e agora a única coisa que está conseguindo atrair é a ira do Deus dos Hebreus. Está pensando na perda de mão de obra, mas está perdendo muito mais. Os egípcios estão morrendo, e quando ele perceber, não vai ter mais ninguém para admirar sua bela Avaris e sua bela Memphis, e seus imensos templos e estátuas em todo o Egito.

A Princesa de CuxeOnde histórias criam vida. Descubra agora