Por utilizar relógios de sol, os egípcios ficaram perdidos no horário diurno. Os sacerdotes fizeram os cálculos do tempo baseados em seus conhecimentos e disponibilizaram vários relógios de areia e ampulhetas para os moradores do palácio. Ramsés reuniu todos os servos hebreus que trabalhavam ali e os deu uma nova função: iluminar algumas alas. Três servos ficaram com os sacerdotes e o Faraó no pequeno templo dedicado a Rá, dentro do próprio palácio, para que passassem toda a tarde fazendo oferendas ao deus da luz. Mandou que as esposas se reunissem no Harém, e a dama hebreia de Henutmire seria responsável por iluminá-lo. E na cozinha, preparando as refeições de todos, estaria o cozinheiro-chefe, o copeiro Jahi e o hebreu Quenaz, responsável por iluminar onde eles precisassem. Um escravo hebreu, que trabalhava como escudeiro do príncipe Amenhotep, estava também ali para levar Jahi ao Faraó quando este precisasse, e também para levar o vizir Jay com as ordens de Ramsés a todos no palácio. Seria o único autorizado a circular pelos corredores, evitando assim acidentes por causa da escuridão.
No pequeno templo a Rá, os servos hebreus com as tochas se posicionaram em um semicírculo, estando no centro apenas Meryaton e Ramsés II. Fora do círculo estavam os demais sacerdotes e Khamuaset, este último sendo vigiado por três guardas a pedido de Meryaton.
O sumo-sacerdote de Rá estava preocupado. Estava prestes a amanhecer quando as luzes foram apagadas. Todas as tochas e velas simplesmente se apagaram a um leve sopro de Shu. Tentou acendê-las novamente, em vão. Mas o pior não foi isso. Mesmo quando tudo está escuro, ainda é possível enxergar algo, alguma silhueta, por causa da luz de Khonsu. Mas, mesmo assim, Meryaton não conseguia enxergar um palmo à frente do nariz. E justo naquele momento em que iniciava sua pesquisa no corpo de sua avó, Tye, para descobrir se ela fora ou não envenenada. Mal tivera tempo para terminar o processo inicial de mumificação.
Se a luz não voltasse logo, ele não poderia segurar o corpo de Tye naquele estado por mais tempo. Tinha que seguir com os trâmites com a ajuda da tocha de um servo hebreu, e encaminhá-la para os ritos finais, sendo depositado seu corpo junto com o de Nefertari e das crianças e esposas mortas durante a Praga do Sangue.
Aquela praga era um problema, pois poderia colocar a perder seus estudos e investigações. Apesar de não ter encontrado nenhum vestígio aparente de veneno, Meryaton estava profundamente desconfiado da morte de sua avó. Algo lhe dizia que não fora uma morte natural, e que seu coração não parou por causa de sua velhice. Mas, como prová-lo?
Abanou a cabeça. Precisava se concentrar no ritual, ou desagradaria profundamente o deus Rá e as coisas poderiam se tornar ainda piores. Precisava restaurar a luz o mais rápido possível, ou no fim do dia precisaria encerrar suas buscas e prosseguir com a mumificação de Tye. E se isso acontecesse, o segredo de sua morte seria enterrado com ela para sempre.
***
Anippe recebera o recado de Ramsés e se dirigiu para o Harém, onde estavam as outras esposas e a dama hebreia de Henutmire. Com ela havia apenas uma tocha, e as mulheres se amontoavam a sua volta. Um silêncio forte permeava o lugar. Ninguém queria dizer nada. Anippe observou os semblantes de todas, e apenas um deles não demonstrava desespero: o de Isisnefer.
Anippe não sabia, mas a primeira esposa do Faraó estava comemorando o fato de a Nona Praga ter sido tão conveniente para ela. Sabia que Meryaton tentaria descobrir o que pudesse no corpo de Tye, mesmo tendo sido tão cuidadosa. A escuridão o obrigaria a correr contra o tempo e adiantar o processo de mumificação. Ninguém saberia de nada, por mais que ele desconfiasse.
Todos ali enviavam preces a Rá para que sua luz voltasse a brilhar. Mas Isisnefer era a única egípcia cujas orações pediam exatamente o contrário.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...