Zene suspirou. Finalmente iria reencontrar sua mãe e voltar para sua antiga vida em Cuxe. Olhou para o barco que a esperava para subir o Nilo e, em seguida, olhou para trás, onde Avaris se estendia bela como o Faraó desejava. Fechou os olhos. A despedida fora difícil e triste, mas necessária. Não queria mais viver ali, à mercê da senhora Isisnefer e outros problemas.
Ela amava a vida no palácio, nunca o negara. Gostara de servir à senhora Tye durante os anos que vivera como dama de companhia, além de aprender na Casa Jeneret. Sentia falta da senhora Nefertari, assim como todas as cuxitas que ali viviam. Era uma rainha, uma egípcia muito querida entre eles. Trabalhara para dar mais e mais conforto à sua mãe em Napata, mas agora teria que voltar. Tudo o que mais queria era distância da família real.
Passar três dias em escuridão total no ventre do palácio, correndo o risco de morrer por causa da morte de sua senhora, mexera com seu coração. O que estava fazendo? Ela não se importara de viver tanto tempo longe da única família que possuía, e ficara longe, sem conviver com sua mãe, apenas para dar-lhe mais conforto? Não. Ela gostava das regalias que também tivera vivendo no palácio, apesar de ser apenas uma dama de companhia, uma serva. E quando estava na escuridão completa, a única imagem que vinha em sua mente era de sua mãe. Como pudera se afastar tanto dela? A saudade apertara forte, e tudo o que mais queria era voltar para seu lado.
Agora que sobrevivera ao julgamento do Faraó e à decepção com Aamas, nada mais a prendia em Avaris. Fora até Gósen para se despedir de sua amiga Makena e da princesa Bithyah antes de partir; agora seu foco estava totalmente voltado para Napata, uma bela cidade ao sudeste de Kerma, onde estaria a princesa Iana naquele momento. Pensou que deveria passar por Kerma e falar com Iana antes de seguir viagem. Contar-lhe as últimas novidades.
— A felucca vai partir! — gritou o barqueiro, e Zene embarcou rapidamente, tomando seu lugar juntamente com vários outros viajantes que subiriam o rio para várias localidades no Egito.
Olhou apenas para cima, para adiante, voltando suas costas para o porto de Avaris e suas belas construções. Agora, apenas queria uma vida nova. Não voltaria nunca mais para aquelas terras. E, se os deuses permitissem, e o Deus Invisível de Moisés e Iana fosse benevolente, ela e sua mãe seriam felizes por muitos anos ainda.
***
Isisnefer não podia estar mais radiante. Meryaton viera a seus aposentos, tão logo o sol se levantou no horizonte, para examiná-la. Ela conhecia aqueles exames, já passara por eles muitas vezes. E dessa vez, ela tinha certeza. O sacerdote de Rá, filho de Nefertari, confirmaria sua gravidez ao seu querido Ramsés.
Ele tocara seu corpo, seu ventre, fizera-lhe perguntas. Dera-lhe uma bebida para tomar que a deixou sonolenta, e deitada em seu luxuoso divã coberto de almofadas, sentiu as mãos do sacerdote examinarem o formato de sua barriga, levantar seus joelhos e anotar algumas informações em uma folha de papiro.
Quando terminou o exame e se retirou sem nada dizer, ela sabia. Tinha certeza de que estava grávida, e agora, tudo mudaria. Ramsés talvez não a tirasse de seu quarto, mas teria mais regalias do que tivera até agora. Era só esperar.
Aproximou-se de sua mesinha de ébano, contendo o tabuleiro de senet com alguns bailarinos ainda sobre ela. Seu jogo estava longe de acabar, e perdera algumas peças importantes no caminho. Pelos deuses, quase se perdera no meio do caminho! Quando se lembrou do que Tye fizera com ela, teve um acesso de fúria. Como aquela mulher tivera coragem de confrontá-la com seu esposo diante de Anippe e Iana? Mas agora, Isisnefer estava confiante. Tye tivera o que merecera, finalmente. E isso ninguém podia provar contra ela ou contra Khamuaset. Planejara que a dama de companhia pagasse por aquela morte, mas as coisas acabaram tomando outro rumo. De qualquer maneira, toda a culpa recairia sobre Aamas. Não haveria formas de chegar até ela. Ela estivera o tempo inteiro em seus aposentos, ou acompanhada por alguém. Ninguém saberia de nada.
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A Princesa de Cuxe
Historical FictionUm romance entre uma princesa sem reino acusada de assassinar a rainha do Egito e um príncipe filho de escravos, ambientada no Egito Antigo, no Reino de Cuxe e nos desertos cativantes de além Mar Vermelho. Esta história começou a ser publicada em 13...