Capítulo 46

63 6 1
                                    

A imagem era aterradora. Moisés e Arão não eram cobertos pelos gafanhotos, por isso podiam enxergar com clareza. Não havia um só lugar, no chão, nas paredes das casas, nos monumentos, nas barracas de comerciantes, nas plantações, nas pessoas, um único lugar livre dos gafanhotos. Era tão estranho que tudo adquirira um tom monocromático, um tom escuro, da cor dos insetos. E tinham um movimento estranho. De longe, parecia ser uma coisa só. Mas, ao olhar atentamente, podia-se vê-los se moverem, e a superfície se mexer.

Não havia mais verde. Absolutamente nada. Tudo fora devorado por eles. E agora, eles apenas se moviam e revoavam, buscando ainda mais onde pousar. Moisés e Arão caminhavam depressa, e no chão, se abria um espaço para que pisassem, antes que seus pés o tocassem. Os soldados estavam desesperados, movendo-se, correndo, balançando os braços e as pernas, a cabeça, tudo para tentar se livrar dos insetos, mas eles não se retiravam deles. Por isso estavam tão cansados.

Quando chegaram ao palácio, não havia guardas em suas portas. Adentraram a sala do trono, e seu interior reproduzia o exterior: coberto de gafanhotos. Não havia mais as plantas nos vasos. Só insetos por toda a parte, cobrindo toda a superfície das coisas. Ramsés mantinha seu rosto coberto com um véu, para proteger-se deles, mas este véu também se encontrava coberto de gafanhotos.

— Quem está aí? — perguntou o Faraó.

— Moisés e Arão acabam de entrar no salão do trono, meu soberano — disse Jay.

Ramsés ficou de pé e tentou espantar os gafanhotos do véu, para enxergar melhor, mas não teve muito sucesso. Antes que eles pudessem dizer qualquer coisa, Ramsés ergueu sua voz.

— Pequei contra o Senhor, seu Deus, e contra vocês. Agora eu peço que me perdoem novamente! Orem ao seu Deus que tire de mim esta morte!

Moisés fitou o Faraó, e embora ele não pudesse ver direito, sabia que estava sendo mirado por ele. As palavras ficaram suspensas no ar, e Ramsés esperou que Moisés lhe dissesse algo. Até que ouviu o barulho das portas se fechando.

— O quê? Ele saiu?

— Sim, soberano — disse Jay —. Ele e seu irmão acabaram de se retirar.

— E você não pensou em dizer nada?

— Eu... digo...

— Ora, saia daqui! Eu estou cercado de incompetentes!

Um gafanhoto caminhou e se esgueirou por dentro do véu, assustando Ramsés, que o jogou longe, fazendo todos os gafanhotos que estavam em cima dele voarem para sua cabeça.

— Maldição!


***


— O que você achou disso? — perguntou Arão, quando já estavam na rua.

— Não sei, Arão. Eu quero, realmente, acreditar que desta vez é definitivo. Mas eu não sei. De qualquer maneira, ele pediu perdão e pediu para que orássemos. Vamos fazer isso.

Quando chegaram a Gósen, os dois se dirigiram ao poço central e, erguendo as mãos para o céu, Moisés orou.

— Senhor, Deus de Israel, peço que liberte o Egito desta praga, e afaste o mal desta terra!

Na mesma hora, um vento ocidental soprou forte como no dia anterior.

No palácio, Ramsés ouviu o barulho da ventania e correu para sua sala particular, afastando com os braços os gafanhotos que teimavam cobrir o seu rosto. E viu. Era como varrer uma sujeira. O vento forte levantou uma nuvem de insetos, e as ruas, as casas e os monumentos adquiriram seu tom original, dando a impressão de serem mais claros, quando os gafanhotos deixaram sua superfície.

A Princesa de CuxeOnde histórias criam vida. Descubra agora