Capítulo 59

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Em cada uma das residências de Gósen as famílias se reuniram para se banquetearem com o cordeiro sacrificado. O silêncio era grande nas vielas, pois todos estavam apreensivos com o que aconteceria. As bagagens estavam prontas, as carroças repletas de objetos de valor, os rebanhos amarrados. Todos estavam vestidos para partir a qualquer momento, sandálias nos pés e cajados nas mãos.

Foi quando sentiram que era chegado o momento. Moisés não poderia explicar como o sabia, mas simplesmente todos sabiam. Era como se a presença de YHW, que sempre sentira ao falar com ele em suas orações, fosse agora multiplicada, e todos os hebreus pudessem senti-la também, ali em Gósen.

Então, ouviram como se um vento passasse por ali, seguindo seu caminho. Por alguns momentos, pararam de comer, entreolhando-se sobre a mesa. Iana segurou forte a mão de Moisés, que lhe apertou de volta, e olhou para ele com angústia e desespero. Ele lhe segurou o rosto com ambas as mãos, sem dizer-lhe nada, apenas mantendo seu olhar firme no dela, enquanto ela começava a chorar. Mered abraçou sua esposa Bithyah, dando-lhe conforto e consolando-a num momento de perda e de sofrimento como aquele. Miriam mantinha os olhos fixos na porta. Makena engoliu em seco, e Menik passou um braço protetoramente sobre seus ombros. Sim, YHW passava por ali. Era meia-noite. O silêncio se seguiu, e só então perceberam que todos seguravam a respiração. Moisés mantivera seu rosto triste, sabendo que aquela não era uma noite de celebração, e sim, de tristeza.

Não demorou muito, e saindo de Gósen, o silêncio de muitas residências mergulhadas na noite e no sono foi quebrado. Em Avaris, lamentos foram ouvidos pelas ruas, das mães e dos pais que acabavam de perder seus primogênitos.

No palácio, Ramsés não conseguira dormir. Estava arrependido de ter mandado Amenhotep de volta a seus aposentos, sem sequer confortá-lo. Percebeu que a luz de Khonsu ia alta no céu, e de repente, sentiu como se ela tivesse se apagado. Era meia-noite. Saiu rapidamente de seus aposentos e correu para onde seus filhos dormiam. O medo congelava seu coração, e implorava aos deuses para que nada tivesse acontecido.

Ramsés ou Amenhotep?

A dúvida corroia sua alma. Primeiro ao quarto de Amenhotep ou de Ramsés? Não sabia. O corredor parecia ainda mais comprido. Passou pelos aposentos de Isisnefer, e percebeu que havia luz dentro dele. A porta se entreabriu, e viu que sua esposa lá estava, ornada dos pés à cabeça, como se voltasse de um passeio. Mas não se preocupou. Precisava ver seus filhos.

O primeiro aposento era de seu filho Pahermenef. Mas não estava preocupado com ele. Continuou andando, e chegou à porta de Ramsés. Logo mais adiante, a porta de Amenhotep. E o silêncio aterrador. Quem ele olharia primeiro? Seu coração pedia para que fosse ao quarto do filho de sua amada Nefertari. Mas não tinha coragem. E se ele estivesse morto?

Abriu a porta de Ramsés e entrou. Apenas uma vela acesa. O seu filho jazia sobre a cama, imóvel. Engoliu em seco. Será que Ramsés havia realmente nascido primeiro naquele fatídico dia? Estaria Isisnefer falando a verdade durante todos aqueles anos? Ah, seu amado Amenhotep! Estaria ele livre daquela praga maldita? Por que não amou a Ramsés da mesma maneira que a Amenhotep? Por que não fez de seu filho o Ramsés III? Aproximou-se dele, os olhos focados em seu rosto de traços fortes, tão parecido com ele mesmo. Seu torso nu descansava sobre almofadas de peles e plumas de avestruz, e então ele viu. O peito subiu suavemente, na respiração do sono.

Imediatamente, correu para a porta, sem se preocupar com o barulho de seus passos, nem mesmo com a porta aberta, e avançou para o quarto de Amenhotep. A essa altura, Isisnefer já estava no corredor, assustada, e correu para o quarto de seu filho mais velho, apenas para constatar o que já sabia. Ele estava vivo. Foi atrás de seu marido e o encontrou ajoelhado diante da cama de Amenhotep.

A Princesa de CuxeOnde histórias criam vida. Descubra agora