Chuva

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Nos sonhos lutava com uma serpente enorme. O corpo do animal era tão largo quanto um barril de cerveja, cheio de músculos e costelas, e a cabeça era um triângulo plano com dentes que lembravam serras. Lutamos na água, mas no sonho a água era densa e escura como melaço. A serpente enrolou-se lentamente em torno de mim e apertou-me, tentando quebrar-lhe as vértebras, mas a água espessa dificultava os movimentos do bicho, consegui abrir espaço empurrando com força os braços e as pernas. Enquanto tentava fugir, porém, a água reduziu de forma grotesca a velocidade com que nadava, e a cobra conseguiu envolver mais uma vez e apertar lentamente meu corpo. E assim continuava o sonho, no qual lutava eternamente para escapar e a serpente eternamente se empenhava em me capturar.

Acordei assustada. O travesseiro branco molhado de suor, a boca seca e o coração em colapso. No cantinho mais profundo da mente ouvia a voz de Steve chamando, mas sabia que não era aquele o motivo do susto.

O medo era real. Empurrei as pernas para fora da cama, olhando de canto para o homem que ainda dormia ao meu lado. Não queria ficar sonhando essas coisas, mas agora que as coisas deram uma pequena acalmada, os pesadelos apareciam. Eram sempre as mesmas coisas, agarrando meu pescoço e submersa, até que acordava desesperada.

Já passava da meia noite quando acordei, e ao olhar para fora vi a lua minguante surgindo próximo ao topo do prédio. E em direção a sombra da escada de emergência avistei algo se movimentando, depois disto não conseguia mais dormir de modo algum.

Enquanto observava a escuridão, o ar esfriou subitamente e a garoa começava a cair. Pensei nos quilômetros e quilômetros de prédios por onde caia de modo similar, as pequenas gotas de água gelada. Cada vez mais escuro ficava o céu e cada vez mais rápida e pesada a chuva ficava, até que os telhados das casas fossem encobertos, cujas extremidades se perdiam na neblina. De vez em quando o céu era rasgado em pedaços de relâmpagos vívidos, e os clarões me faziam ver à frente umas grandes quantidades de fachadas. Naquele momento, a tempestade e a noite se fundiram na escuridão. Daí a pouco tudo indicava que a tempestade estava piorando.

Uma mão pesada tirou-me do transe bruscamente, empurrando meu corpo para um lado para o outro, tentando me reanimar. Quem sacudia era Steve. Abri os olhos atordoados, com dor de cabeça e ainda trêmula de um frio que na verdade, em minha consciência, não sentia, mas o corpo parecia notar.

– Liv, você precisa descansar. – Advertiu com a voz baixa, voltando a encostar o corpo na cama. – Anda muito estressada, precisa relaxar antes que acabe pirando.

Lancei um olhar para ele soando algo como "O que você está falando¿", recebendo um sorriso largo e encantador como resposta. Podia estar muito estressada, era verdade, mas tudo em volta nos deixa irritados. Até queria saber como conseguia ficar tão calmo em momentos como esses.

– Por mais que queira, não consigo relaxar. É simplesmente impossível. – Confessei. – O que vamos fazer quando tudo isso acabar¿ – Perguntei em modo aleatório, pois era algo que realmente não saberia.

– Viver um dia após o outro. – Respondeu Steve, levantando os ombros apoiando a cabeça em seus braços musculosos. – Primeiro vamos nos preocupar com hoje, resolver e depois ver no que dá. Sempre que tento planejar algo para o futuro nunca dá certo, isso sei melhor que ninguém.

– É que quando acontecem coisas boas na minha vida, fico com medo de perder. – Pensei em voz alta, atraindo atenção dele para mim. – Não quero dizer que ter ganhado superpoderes, ver pessoas inocentes morrendo em minha frente, claro. Mas no fundo, certas coisas foram boas, tipo você. Isso é bom, né¿

– Ainda acho que você pensa demais. – Respondeu o homem loiro, voltando a encarar o teto do quarto pensativo sobre o que acabei de falar.

Esperei que começasse com um discurso ou qualquer coisa do tipo, mas no momento acho que até mesmo ele estava cansado ou preocupado demais para começar me irritar com filosofias e tal. Steve apenas olhava para cima, respirando fundo. Caminhei de volta para a cama, deitando ao lado dele, ficando na mesma posição olhando o teto.

Innocens - Capitão AméricaOnde histórias criam vida. Descubra agora