Acordamos tarde no outro dia, (já que era sábado), e eu involuntariamente procurei as pílulas as cegas, não que eu gostasse de tomá-las, o fato de depender de remédios para não querer se afundar em um buraco o tempo todo não era convidativo para mim, não mesmo, mas querendo ou não, era a única forma de isso não acontecer.
Não achei as pílulas, vasculhei por toda a bolsa e nos balcões do apartamento de Gen, mas não as encontrei. Devia tê-las esquecido em casa, eu deveria saber que estava esquecendo algo.. e merda, o dia não começaria bom sem as malditas pílulas.
E depois de um tempo com minha cabeça palpitando, Gen saiu do quarto, com o cabelo desgrenhado e coçando os olhos, exatamente como eu, momentos atrás.
-Bom dia- ela disse com a voz sonolenta.
-Oi- acenei. -Dormiu bem?
-Dormi, mas to com uma fome terrível.
-Eu também- menti.
-Tudo bem, vamos tomar um banho e ir e vamos para cidade, beleza?
-Tudo bem- disse simplesmente.
E foi o que fizemos, nos arrumamos e fomos para o centro da cidade
•••
O centro estava uma bagunça quando chegamos, pessoas saindo e entrando em lojas e restaurantes. Geralmente o centro daqui não é desse jeito, parece que hoje é exceção...-Achei uma mesa- Gen disse me tirando de meus pensamentos.
-Ah, que bom.
-O que foi?
-Nada- minti.
-Tudo bem mesmo?
-Sim.
Eu estava me sentindo um lixo total, (como já era de se esperar). É só que.. eu não sei explicar, hoje é um daqueles dias que eu não queria ter acordado, malditas pílulas.
-Vamos pedir?- Gen disse tentando me distrair.
-Não quero, pode pedir para mim?
-Claro- sua voz exalava preocupação.
Era ótimo ter a Gen na minha vida, para falar a verdade, mesmo eu não contando certas coisas para ela, era legal ter alguém para poder ficar do lado as vezes.
Isso me faz lembrar de Sean. Sean, o primeiro garoto que fez despertar algo em mim, algo que nenhuma namorada minha despertou. Talvez fosse pelo fato de nós nos conhecermos desde a infância, da primeira vez que ele me defendeu no parquinho, ainda no primário, do fato de ele continuar fazendo isso no ensino médio, mesmo ele sendo o garoto mais cobiçado e popular do colégio, e bem, eu era apenas eu. Pode ser o fato que ele sempre me distraia depois de uma briga que eu tinha com os meus pais, ele sempre escalava as trepadeiras na parede do meu quarto e ficava comigo, deixando eu encharcar sua jaqueta do time e escutando cada palavra que saía da minha boca.
Ou talvez o fato dele ter me ajudado com o transtorno alimentar e a... depressão, desenvolvidas ainda no ensino médio. Meus pais não sabem disso até hoje, tentei conversar sobre isso uma vez e eu ganhei um tapa no rosto que quase me desmaiou e um castigo; aparentemente, "eu não tinha motivos para ter isso", e era "falta de Deus".
Na verdade, eu também não reconhecia isso. Eu não vi acontecer.
Um dia eu estava no Dean's com o Sean e Donna... e no outro eu saia de casa apenas para ir à escola.Estava tudo bem para mim chegar em casa e me deitar, as vezes só desligava as luzes e me enfiava nas cobertas, olhando para o nada por horas, outras vezes, quando olhava para minha imagem no espelho quando ia no banheiro, eu chorava, apertando partes em meu corpo e.. chorava.
Foi quando a situação estava saindo do controle que o Sean viu o que estava acontecendo, eu pesava cinquenta quilos e chegava a sair de casa uma vez por mês. Ele e sua mãe, tia Adelaide, me levaram secretamente e quase a força a um psicólogo, logo eu fui indicado a um psiquiatra, ele me passou os remédios que eu devia tomar e a tia Adelaide bancou todos eles, já que meus pais não poderiam saber disso..
De imediato eu não queria aceitar o fato de ter esses problemas psicológicos e o fato da mãe de Sean bancar minhas necessidades medicais, afinal, não era ela que tinha essa droga, eu deveria arcar com minhas próprias doenças.
Mas Sean me fez ceder, e depois de um tempo tomando os remédios eu comecei a melhorar, eu estava no meu peso normal, e estava saindo com mais frequência, meus pais confiavam em Sean, por isso era só mencionar seu nome toda vez que eu ia a algum lugar, que eu saía, as vezes Sean até ia pessoalmente me buscar em casa.
-Aqui- Gen colocou a bandeja em minha frente. O cheiro da comida estava fazendo meu estômago embrulhar.
Sorri forçadamente e dei uma mordida no lanche. Ela estava percebendo, nunca fui bom em esconder o que sinto.
-Olha...- ela largou seu lanche na bandeja. -Eu não sei o que está acontecendo com você, não precisa me falar se não se sentir confortável, mas eu... pode me contar- ela apertou minha mão do outro lado da mesa, massageando de leve meus dedos, um gesto fraternal, pessoal.
-Talvez depois- sorri fraco.
Sim, depois; eu contaria para ela o que estava acontecendo, depois.
Acabou que eu apenas dei outras duas mordidas antes de abandonar aquele lanche completamente, Gen terminou o dela pouco depois. Fomos a algumas lojas e eu comprei um macacão, Gen ficou feliz com isso.
-Gen, eu posso ir para casa? Eu... estou exausto- era verdade, em parte.
-Claro... manda mensagem quando chegar, ficarei menos preocupada- ri de maneira doce para ela.
Logo depois meu Uber chegou, me despedi brevemente dela e entrei no carro preto em frente à loja. Observei a cidade pela janela enquanto nos afastávamos; era adorável, sempre meio fria e o céu em um azul mais escuro, com as ruas de pedras e as praças com lamparinas e bancos de madeira aconchegante, combinava com o resto da cidade, tinha um pouco de arquitetura europeia ali, com certeza.
O Uber parou na frente da casa de Gen antes de irmos para casa, ela me avisou que tinha uma chave reserva de baixo do tapete para eu pegar as minhas coisas, e depois disso eu fui para casa.
Aquele loft me era mais familiar que a casa em que eu fui criado, qualquer lugar seria melhor que aquele inferno, pensei. Fechei a porta quando entrei, a casa estava escura e vazia, nem sinal de Jason, suspirei em alívio.Subi as escadas de ferro, que faziam seu leve ranger familiar a cada degrau pisado e fui tomar banho. Abri o chuveiro e deixei um jato de água quente percorrer meu corpo; por um momento eu apenas deitei minha cabeça na parede de azulejos e deixei a água cair em mim, meu cabelo parcialmente seco.. e depois de um tempo assim, massageei meu couro cabeludo com óleo de baunilha e ensaboei meu corpo com um sabonete do mesmo cheiro.
Já saindo do chuveiro, sequei as gotículas do meu corpo com uma toalha e passei uma boa quantidade de creme de pentear para o meu cabelo não embaraçar; vesti meu par de pijamas da solidão, que consistia em uma calça de moletom larga e confortável e uma camisa velha do Sean.
Fazendo isso, desci as escadas novamente, puxando do freezer uma lata de sorvete de chocolate com menta, (meus amigos odeiam, eu acho o melhor sabor de todos), sentei no sofá cinza claro que cheirava a novo e dei play em um episódio aleatório de Friends, (eu sei o que você deve estar pensando, "cara como isso é deprimente"), na verdade, cheirar a baunilha e assistir Friends comendo sorvete me animava as vezes, preferia ler um livro com uma vela aromática, mas como eu esqueci as minhas na Gen, isso foi a única coisa que me veio em mente.
Acho que acabei cochilado, pois estava passando um episódio que eu nem sabia qual era, e meu sorvete tinha virado mingau.Levantei do sofá, desligando a Tv e indo a pia, onde lavei o pote e a colher que eu usei, depois guardei o sorvete no freezer, subi as escadas novamente e me joguei na cama, apagando logo em seguida.
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Colega de quarto (para revisão)
Teen FictionA vida de Calvin Stratford era perfeitamente organizada, com cada passo planejado, desde a faculdade dos sonhos ao apartamento tão esperado. Mas tudo vira uma bagunça depois que ele descobre ser colega de quarto do irresponsável, idiota e mulherengo...