Capítulo 65

4K 430 208
                                    

Eu não sabia onde enfiar a cara na manhã seguinte. Era como se todos os integrantes de minha família soubessem de meus pecados, dos mais sórdidos e obscuros, incluindo o da noite passada. Eventualmente, todos me enviavam olhares invasivos e perguntas estúpidas e eu me limitei a comer em silêncio no café da manhã, o que não requeria muito afinco, já que meu tio havia chegado de madrugadinha com a esposa e filhos. A ceia seria amanhã, e pelo andar da conversa entre meus familiares, eu sabia muito bem o que era de se esperar.

Catástrofe.

Meu tio e meu pai não paravam de discutir sobre assuntos machistas e piadas homofóbicas, enquanto minha prima mais velha– que parecia ter saído de um culto satânico– observava todos com desdém com seus fones de ouvido no volume máximo por baixo do moletom.

Ela estava escutando rock pesado e não eram nem onze da manhã.

Não foi muito reconfortante desviar o olhar para meus primos mais novos, já que eles estavam se ameaçando assustadoramente com suas facas sem ponta ocultas pelo pano de mesa. A mãe deles tentava sem sucesso tomar as armas enquanto Beatriz a chamava de irresponsável bebericando sua taça de suco de laranja. 

Tia Clear fofocava como meu pai e meu tio eram patéticos e Nona concordava sem descrição alguma. Jason e minha mãe, além de eu mesmo, pareciam ser as únicas pessoas sensatas o suficiente para tomar o café em silêncio.

Eu não estava com muita fome ultimamente. Talvez por ficar perto de meu pai; olhar para ele me fazia revirar o estômago. Jason parecia compartilhar o sentimento, dado que seu prato estava quase inteiramente intocado.

Eu não tive a oportunidade de contar que minha avó havia nos pegado ontem a noite, e muito provavelmente, nunca teria. Aquele assunto era tão humilhante que esperava nunca ter que comentar sobre. Além do mais, era melhor se Jason permanecesse calmo. Pelo menos até a ceia.

-Sean veio aqui mais cedo- minha mãe comentou.

Alguns olhares foram direcionados a mim por alguns segundos antes de todos se voltarem para o que estavam fazendo antes. Eu, no entanto, não quebrei o contato com minha mãe. 

Seu olhar não era uma ameaça em si, deduzi então não se tratar de uma ameaça. Mas alguma parte em mim sabia que ela estava ciente de tudo que acontecia até o momento, inclusive o fato de eu ter saído de madrugada outra noite. Um aviso, então.

Não era o que eu esperava dela, para ser sincero. Eu deduzi, que caso ela descobrisse algo assim, ela imediatamente relataria diretamente ao meu pai. Nunca passou na minha cabeça que ela me daria uma chance, que me apoiasse.

-E?- perguntei.

-Ele disse que queria conversar sobre algo inacabado com você.

Congelei em minha cadeira. Jason me olhou com dúvida de sua cadeira, embora eu não tenha devolvido o olhar. Momentos depois, ele se retirou da mesa, alegando ter comido até demais e temer não ter espaço para o almoço. Vendo que ele se direcionava para a cozinha, eu me empenhei a segui-lo. Ele claramente estava desconcertado, e merecia sim uma explicação. Ter ocultado nosso encontro dele por tanto tempo fazia parecer que eu fazia algo errado.

Eu o encontrei limpando seu prato para logo depois colocá-lo na lava-louças. Parecia um misto de determinação e chateação.

-Hey...

Ele enviou um olhar que não consegui descrever pelos ombros antes de se virar.

-Você tem algo para me contar?- ele questionou, cruzando os braços de forma defensiva.

-Não fique com ciúmes do Sean.

Ele balançou a cabeça em descrença, a língua se movendo dentro da boca como para se conter antes que ele cravasse seus dentes nos lábios e deixasse a cozinha. 

Colega de quarto (para revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora