No total foram cinco cacos de vidros retirados das minhas costas, pequenos, porém dolorosos. Após limpar as pequenas feridas o enfermeiro pede para que Felipe compre dipirona e um outro remédio. O preguiçoso não vai, mas manda alguém ir.
— Quando for tomar banho lave com sabonete, pode lavar. Passe a pomada, não esqueça — Diz o enfermeiro.
— Ta bom, obrigada. Qual é o seu nome? — Pergunto sem graça enquanto Felipe observava.
— Michel.
— Prazer, Mariana. Obrigada, Michel. — Digo extremamente agradecida.
— Que isso. Primeira dama da comunidade é prioridade — Ele diz rindo e olhando para Felipe.
Não entendo muito o seu comentário mas abro um sorriso.
Vejo Felipe sair do quarto por poucos segundos, logo ele retorna com sua carteira. De lá ele tira duas notas de cem.
— Ai irmão, brigadão mesmo. Qualquer coisa pode contar comigo — Diz Felipe.
O homem abre um sorriso enorme, creio que não seja pelo dinheiro mas pelo fato de "dever uma" ao dono do morro.
— Obrigado você, pô. — Michael se vira para mim. — Tchau, se cuida.
Felipe me encara e sai do quarto junto ao seu amigo. Não demorou muito para que a porta da sala fosse fechada.
Com um pouco de dificuldade vou até a mesma para verificar que estava aberta, eu poderia ir embora de lá, sem olhar para trás.
Poderia
Mas não iria. Estava trancada por fora.
Filho da puta!
Se eu por na balança tudo de bom que ne aconteceu desde que conheci essa família, não dará em nada. Bom, conheci Ana e sua mãe isto é perfeito mas em relação ao seu irmão, não digo o mesmo.
Volto para o quarto onde busco pelo meu celular. Algumas mensagens de grupos, uma mensagem de áudio da vizinha, provavelmente era do meu pai que pediu seu celular emprestado.
Me pergunto o que estou fazendo aqui? Me prestando a esse papel.
Enquanto guardo minhas roupas em uma bolsa preta de lixo, ouço a porta da sala bater.
Ele.
Felipe entra no quarto sem dizer nada, se encosta no cachonete da porta e me observa atentamente.
Era incômodo sentir seu olhar queimar sobre cada movimento meu. Olho pelos cantos dos meus olhos e la estava o homem, na mesma posição, sem mover um músculo.
— Vem cá — Ele murmura se sentando na cama que comprou para mim. — Senta aqui.
Engulo minha raiva e orgulho, me sento ao seu lado mas mantendo o máximo de distância possível.
— Você quer ir mesmo? — Ele pergunta.
Finalmente encaro aqueles olhos puxados. Seu maxilar relaxado me demonstrava a serenidade, ou falsa serenidade.
— Acho que não preciso te da essa resposta, basta olhar para mim. — Digo ríspida.
— Vou deixar um malote pra você na estante, amanhã se você quiser ir, é só pegar. — Felipe se levanta — só me faz um favor, quando tu for, não deixa eu ver.
Apenas aceno com a cabeça, confirmando. Ele sai do quarto me deixando em paz.
Estranho vê esse Felipe tão calmo e passivo, isso é uma cobra.
Pego o pratinho de churrasco que Ana havia deixado para mim e devoro toda a comida de uma só vez.
Mais tarde, ainda no mesmo dia noto estar sozinha em casa, ele havia saido e algo me dizia que não iria chegar tão cedo.
22h35
Enquanto saio do banheiro ouço a voz de Felipe, ele dizia coisas sem nexo algum, mas não era da minha conta.
Separo a pomada e a dipirona para aliviar a dor. Lembro-me de Gleyce, será que ja comeu? Será que ja esta na cama? Bom, Ana é filha dela e sabe o que faz, e tenho que ir me acostumando.
Visto um sutiã com o máximo de cuidado possível e vou até a cozinha, afim de um copo com água para tomar o remédio. Quando termino de tomar a dipirona faço uma careta e bem na hora ele entra. Como se eu estivesse sozinha, lavo o copo, ponho no lugar e saio.
— Ou — Ouço me chamar. Paro no caminho e me viro — Ja passou a pomada ai?
Paro para pensar que passar sozinha não seria fácil, eu não iria alcançar.
— Não. — Digo seca.
— Posso te ajudar? — Felipe vem até a mim. Permaneço em silêncio. Eu precisava de sua ajuda, mas não queria. — Responde!
— Pode, mas sem maldade. Por favor.
Ele ri
— Tu não é a única mulher no morro — Espeta.
— Posso não ser a única em quantidade, mas sou a única que consegue te por no seu devido lugar. — Digo sem paciência — Não começa a me tratar com desdém, não foi eu quem pedi sua ajuda.
— Ai, namoral, tu é chata pra caralho. Se vira sozinha — Ele diz e volta para a cozinha.
Dou de ombros e volto para o quarto. Junto minhas roupas sujas para levá-las comigo.
Não demorou muito para ele entrar no quarto com cara de quem comeu e não gostou. Ficou parado me encarando. Reparo que Felipe ainda não havia trocado de roupas, o que me deixava claro que ele não havia tomado banho.
— Você precisa tomar um banho — Digo o fitando.
— Quer tomar comigo?
Reviro os olhos e continuo o que antes estava fazendo mas é estranho fazer algo quando alguém esta te encarando. Ele queria me dizer algo, eu sentia isso, eu só não entendi o porquê de tanta enrolação.
— O que você quer? — Pergunto sem paciência.
— Eu vou te ajudar, pega logo o bagulho ai
Com bagulho ele quis dizer "pomada". Sem render assunto pego a pomada e entrego em sua mão. Me sento na cama e Felipe faz o mesmo.
Sua mão ágil rapidamente espalhou uma grande qualidade de pomada por minhas costas ferida. Quando terminou ele jogou o tubo em cima da cama.
Talvez estivesse esperando um agradecimento porque o mesmo continuou ali, desta vez pensativo, olhando para um canto do guarda roupas. Optei por deixá-lo com sua loucura momentânea. Eu gostaria muito sabe o que passa em sua cabeça e se normalmente ele é assim, convivi pouco para ter certeza. O silêncio era constrangedor.
— Vai embora não. — Ele pede.
O encaro sem entender muito bem. Abro minha boca mas nada sai. Foi bom ouvir isto dele e surpreendente também.
— Me da um motivo. — Digo repousando toda a minha atenção sobre ele.
— Ah cara... — Felipe me olha mas logo desvia seu olhar. Estava com vergonha — Sei lá, a Ana já desistiu de mim e a única que realmente lutava comigo era minha velha mas esta do jeito que esta. — Ele coça a cabeça e se põe frente a frente comigo — Ai tu chegar com esse... Esse teu jeito, mostrou que se importa. Eu faço merda como sempre e tu vai embora.
Alguns dias atrás eu provavelmente teria adorado ouvir tal coisa vindo dele, mas neste momento eu não sinto nada, absolutamente nada.
— Que pena, Felipe. Isto só mostra que você não sabe valorizar nada e nem ninguém enquanto há tempo. — Deixo um breve sorriso.
— Eu sou um otario mesmo. Sabia que não era pra ter te falado esses bagulho. Na moral, quer ir, vai mermão.
Ele sai feito um furacão.

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CDC - Concluída.
Novela JuvenilHomem rude, mente fechada, usuário de cocaína e com a mente dominada por demônios tão confusos quanto o mesmo. Coração na sola do pé - exerto por uma pessoa; sua mãe -, e por isso Felipe irá contratar uma cuidadora de idosos, Mariana Ribeiro. Sem t...