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Revisado

Respiro fundo tentado manter a calma, enquanto meu cérebro gritava com meus sistema nervoso.

Nunca tive vontade de agredir alguém tanto quanto quero agora.

Elevo meus olhos, fitanto os dela intensamente.

- Quer saber? - Solto uma risada pesada. - Eu me demito!

O corpo da mulher a minha frente se irrijeceu completamente. Ela não esperava por isso, nem eu.

- Veja bem, não estou lhe mandando embora. Não há necessidade de uma coisa assim. Vamos nos re...

- Não. Já estou indo. Amanhã passo para trazer minha carteira. Boas vendas.

Saio daquela sala sem olhar para trás. Foi como tirar um terrível fardo de minhas costas e por outro em seguida.

Estar na estatística do IBGE de desemprego não é bom.

Pego minha bolsa e a ponho repousada sobre meu ombro.

- E então, como foi? - Ouço a voz grave de William soar atrás de mim.

- Estou indo embora. - Digo sem o encarar.

Chorar não é meu forte. É complicado se despedir de um colega de trabalho, ainda mais após tantos anos.

Encaro Cristiane que estava servindo um das mesas. Estava tão apressada e ocupada que nem me viu.

- Ela pode fazer isso com você! - Will diz indignado.

- Não foi ela. - Suspiro - Me faça um favor? Diga a Cristiane que eu aceito o trabalho, peça para ela me ligar.

Ele apenas acena com a cabeça. Dou alguns passos para sair do local ainda intacta mas meu coração pesa uma tonelada. Giro meus calcanhares e volto para abraçar William que me aperta.

Esse lugar é terrível, o salário é péssimo, trabalhamos demais, muito exploração mas algumas pessoas faziam tudo valer a pena.

- William! Você não está aqui para namorar - Ouço a voz insuportável de Rebecca. - E você também, Mariana.

Me solto do homem e logo me afasto, olhando fixamente nos olhos da cobra a minha frente. Ela segurava a máquina de cartão em uma das mãos, provavelmente não havia rede ali.

Era incrível como meu nome soava de forma nojenta em seus lábios. Tudo o que fiz foi rir sem humor algum.

- Em mim você não manda, querida. - Digo debochada.

- Quem paga seu salário somos nós.

- Achei que fossem os clientes. Eu tenho tanta pena de você, Rebecca. Pobre de espírito, sua imunda.

Sinto a mão de William segurar meu pulso, me repreendendo e me impedindo de caminha até ela.

Já vi Rebecca zangada por diversas vezes, mas não da forma em que estava no momento em que processou minha ofensa.

- Você que é uma morta de fome. Acha que eu tenho medo de você?

Me desafiou chegando mais perto. Fecho minha mão algumas vezes, tentando controlar a vontade de lhe acertar o nariz empinado.

- Quer saber? Não vou sujar minhas mãos com você. Sou limpa demais para isso.

Tento manter a postura mas por dentro estava tudo em chamas. Encaro William e me despeço novamente. Minha amiga ainda estava presa nas malditas mesas.

Quando chego em casa estranho o horário, era como se eu não devesse estar ali, e não deveria mesmo. Jogo minha bolsa no sofá e vou até a cozinha preparar o almoço já que eu não iria almoçar na pastelaria nunca mais.

Já se passava das duas da tarde quando meu celular tocou, um número privado. Provavelmente é cobrança, não atendi.

E tocou novamente.

- Alô?

- Oi. Foi mal insistir. Aqui é o Felipe, a Cris me passou teu número e disse que tu aceitou a proposta.

Engulo seco, mordo meu lábio tentando conter o constrangimento. Eu estava constrangida e nem sabia exatamente porque.

- Sim, eu aceito. O que preciso fazer?

- Assim, você vai ter que cuidar da minha mãe.

Ele diz o óbvio.

- Acho que é por isso que tem a palavra "Cuidador"

- Verdade, vacilo meu. - Ele solta uma risada rouca. - Tem como você vir aqui na comunidade amanhã? Quem vai falar contigo é minha irmã

- Claro. Como faço pra saber qual é a casa?

- A Cris te busca antes de ir trabalhar, tranquilo?

- Ta bem. Obrigada pela oportunidade.

Dito isso, ouço ao outro lado da linha um barulho de rádio comunicador.

- Jae, morena.

Felipe desliga rapidamente. Bom, IBGE, você me perdeu.

A música irritante do meu alarme soa alto pelo meu pequeno quarto. Por alguns segundos permaneço com minhas pálpebras teimosas fechadas, até meu cérebro me causar um choque de realidade, me fazendo lembrar da minha entrevista.

Corro até meu quarto pegando meu celular e minha carteira de trabalho. Ainda hoje a deixarei na pastelaria.

Saio de casa após um banho extremamente rápido, ponho meu uniforme; uma calça branca, blusa branca e tênis da mesma cor. Quero mostrar que sou profissional e estou a altura. Preparo um café que infelizmente ficou mais forte que o esperado.

Da cozinha era perceptível o ronco de meu pai em seu quarto. Pelo visto hoje não tem nenhuma obra.

Não havia movimentação na rua, eram seis da manhã a maioria ainda dorme. Era estranho ir a uma entrevista sem currículo em mãos, era como estar em uma guerra sem o armamento. Tudo bem, tudo o que preciso está comigo em um ano e quatro meses de curso.

O ônibus que eu iria pegar para chegar era pouco conhecido por mim, só o peguei algumas vezes.

O Complexo do Chapadão é grande, eu não tinha noção de qual comunidade deveria ir. Subi na primeira condução orando para que o tal Felipe me ligasse e dissesse onde eu deveria ir.

Não aconteceu.

Ele não ligou. Fiquei parada no ponto onde desci. Um desespero tomou conta do meu ser, pude sentir vontade de vomitar meu café amargo.

Respiro e fundo e disco o número de Cristiane, já que o de seu namorado era privado. O ruim não era ligar para ela, e sim ligar a cobrar. Chamou, chamou, ela não atendeu.

Ótimo, estou ferrada. Não posso simplesmente voltar para casa, tem gente me esperando e contando comigo. Mordo meu lábio reprimindo a vontade de voltar para casa. Então ouço Luccas Lucco tocar em meu celular. Era Cristiane.

- Oi, desculpa eu estava ocupada. Já está aqui? - Sua voz estava embargada. Ao fundo pude ouvir uma voz masculina. Com certeza era Felipe. Sei com o que ela estava ocupada.

- Não. Seu namorado não disse em qual parte do Complexo tenho que ir. - Respiro fundo, apressada

- Ele é um idiota. É no final feliz. Escuta, vem logo porque tenho que ir trabalhar e preciso saber como foi sua conversa com a cobra.

- Tá bem. Estou a caminho.

Ouço minha amiga conversando com seu namorado.

- Quando você chegar vai ter uma moto te esperando bem na entrada.

Ela diz e desliga. A vida desses dois é baseada em sexo, só pode.

CDC - Concluída.Onde histórias criam vida. Descubra agora