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Tanto fechei quanto estou aturando as manias e paranóias de Felipe. Não nego, apesar dos surtos, dramas, ele consegue ser bastante carinhoso. Coisa que nunca imaginei. Pensei bem e pedi para o mesmo reservar uma kitnet para mim, aqui na comunidade mesmo. Minhas coisas - que não são muitas - estão guardadas lá. Não larguei do meu trabalho isso me distrai, me faz bem muito embora eu tenha que ouvir bastante ao chegar depois da hora. Ele propôs que eu trabalhasse cuidando de sua mãe, assim eu receberia um salário melhor. Preferi não aceitar, até porque Ana está fazendo questão de ficar com sua mãe. Talvez seja por estar sozinha agora, a solidão bateu.

- Amor?

A voz de Felipe ecoa pela casa. Ele passou o dia trabalhando, acordou às quatro da manhã e só retornou agora. Fito meu celular que anuncia sete da noite.

- Na cozinha.

Em pouco tempo vejo ele adentrar o local. Sua camisa estará ao ombro, havia um fuzil atravessado em suas costas - acho que isso deve ser algum escudo de proteção para os mesmos - E por conta desta mesma proteção eles morrem. Sua bermuda Tactel rosa agora estará suja de barro.

Por onde ele andou?

- Está fazendo o que? - Pergunta desconfiado ao fitar o celular em minhas mãos.

- Janta. Onde você estava?

- Esqueci de pedir pra Luzia vir hoje. - Desconversa.

- Não me incomodo se fazer as coisas que ela fazia antes. - Mordo meu lábio e fito seus olhos - a não ser que você queira que ela faça suas coisas.

- Não ligo quem faça, contanto que faça direito.

Felipe é o tipo de pessoa rígida com suas coisas. Não tolera nada fora do lugar, suas roupas não podem ser lavadas de qualquer forma; sempre passadas e dobradas, todas em seu devido lugar. Confesso que sou um pouco diferente. Se dobro minhas roupas hoje, amanhã elas estão completamente reviradas. Só uso ferro de passar quando vou sair, -isto se for necessário - na minha bagunça eu me acha.

- Não me respondeu. Onde estava? - Insisto. - está sujo de barro.

- Chegou agora?

Ele larga sua camisa em cima da bancada e caminha até a geladeira, pude ver que a mesma estará suja com algo que me parece ser sangue. Posso estar enganada, mas ketchup não é.

- Felipe...

Digo sem paciência.

- Estava com um monte de macho, vai surtar agora?

- Por que veio com isso aí - aponto para o fuzil - para casa?

- Não vou ficar andando desarmado porque tu quer.

Fico em silêncio, lutando contra mim mesma em pensamentos. Aquela camisa suja de sangue me mostra tantas coisas, mostra quem ele é.

Volto minha atenção para a panela onde o feijão que eu acabará de temperar, fervia. Talvez eu faça frango a milanesa...

Será que ele machucou alguém? Eu sei o que Felipe faz, não sou nenhuma idiota com os neurônios corroídos, entretanto, nunca vi e sempre bloqueei este tipo de pensamento. Óbvio, é fácil acreditar que uma pessoa que nos ama, trata todo mundo no amor. Respiro fundo e finalmente tomo a dose de coragem necessária.

- Você machucou alguém?

Minha voz sai falha. Mesmo não olhando para ele, sei que seus olhos estão em mim. Ouço o barulho dos copos e logo sua risada irônica.

- Machucar eu machuco você. Com eles eu faço pior.

Me viro e observo o homem a minha frente.

- Não tem graça. Não quero né envolver nas suas coisas, mas por favor, me respeite. Não traga esse tipo de coisa enquanto eu estiver aqui.

- Vou enfiar essa porra onde? Começa não.

Ele estala a língua ao céu da boca.

- No cu. - Digo irritada.

- Você tá com as asinhas muito grande, ou se liga ou eu corto. - ameaça.

- Você me chamou para morar aqui, não foi?

- Ah, qualé, Mariana? Vai dizer que não sabia como eu levo a vida? Acorda, caralho. Eu não te escondi porra nenhuma - Ele bate com o copo em cima da mesa. Deixando o mesmo ali - não vem querer bancar a boazinha. Escolheu ficar comigo, vai ter que segurar a responsa.

Felipe já estava irritado com algo e terminei de incendiar.

- Acontece, meu caro, que eu escolhi ficar com você, não com essas merdas que você faz.

Ele ri.

- Aí na moral. Tô vazando, quero perder a linha com você não. Vou jantar não.

Ele da as costas.

- Vai covarde. Já sei que vai se entupir de pó. - Digo exaltada. - Espero que desta vez não tenha mulher envolvida.

- Se tiver, melhor. - Espeta rindo.

Não achei graça

- Quando eu estiver sentando em outro, não surta. Amor.

Dito isto me viro para o fogão mas rapidamente sinto o impacto das minhas coxas sendo pressionada contra o mesmo. A chama que aquecia o feijão queimava minha pele. Felipe pressionava meu corpo cada vez mais, enquanto sua mão fora a minha mandíbula. Seu ato me assustou.

- Repete, piranha. Eu te quebro todinha. - Diz ao pé do meu ouvido.

- Me solta, agora! - Ordeno.

- REPETE SUA VAGABUNDA

Automaticamente minhas mãos vão a panela que estará ao fogo, me viro rapidamente e jogo o feijão quente em cima de seu corpo. Felipe da um pulo para trás, mas isto não impede que o feijão queime seu braço. A panela vai ao chão e minhas mãos a boca.

Fiquei surpresa com meu ato, mas não arrependida.

- Se tocar em mim de novo, vai ser pior. - Defendo-me calmamente.

- EU VOU ESTOURAR SUA CARA DE PORRADA. CARALHO - Diz desesperado. Sua feição era de dor. -me ajuda. Porra - murmura.

Uma pontada de arrependimento me atinge quando vejo o local ficar vermelho. Caminho até o homem rapidamente observando mais de perto. Ele precisa de um médico.

- Você precisa ir pro hospital.

- Vai tomar no cu, Mariana. Tu que fez essa merda, se vira.

Pisco algumas vezes, em completo desespero.

- Vamos pro banheiro. Preciso lavar Isso.

- Isso vai ter volta. - murmura enquanto caminha até o banheiro.

- Se eu fosse você, tomaria cuidado com suas ameaças.

Ele fica em silêncio. Entro no banheiro junto a ele, ajudo o mesmo a retirar aquele fuzil das costas, em seguida lavo o local atingido, retirando o excesso de feijão.

- TA DOENDO MUITO MARIANA, CHEGA. PORRA - Grita ao meu ouvido.

- Felipe, ainda não saiu o feijão todo.

Esfrego um pouco mais o local.

- PARA CARALHO.

- PARA DE GRITAR, ESTA ME DEIXANDO NERVOSA.

ele finalmente se cala, permitindo que eu lave melhor a região.

Céus, será que fiz certo? Fiquei com tanto medo dele me agredir que não pensei duas vezes.

CDC - Concluída.Onde histórias criam vida. Descubra agora