3. As Manchas

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«Devia ter complicado menos

trabalhado menos

ter visto o sol se pôr» 

letra Epitáfio de Titãs

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Presente

Estavam na Ilha Palau, o piloto falava sem parar para manter toda aquela gente calma e consciente. Até aquele momento, nem sabia que tal local existia nem qual a sua localização no mundo, mas ainda bem que existia. O local onde ficaram abrigados: um pequeno armazém vazio com uma casa de banho do mesmo tamanho da do avião, mas muito mais pestilenta. Não tinham mais do que algumas mantas e cobertores (dadas pelas poucas pessoas locais) ou capas de plástico para as mercadorias que costumavam chegar ali para alimentar a cidade administrativa mais próxima. O aeroporto ficava no outro lado da ilha, assim como a maior cidade com o curioso nome de Koror.

Que horror, sem dúvida, mas ainda bem que aquela ilha existia e que estavam salvos da terrível tempestade que se passava lá fora. Eles só tinham receio que o telhado ou o próprio armazém voasse com o vento que assobiava com força. Estavam molhados, com frio, sujos, desconfortavelmente encostados às paredes ou sentados sobre os plásticos. Encolhidos, próximos e atordoados. Ninguém falava, mas todos pensavam no que deviam ter feito e não fizeram. Nas coisas realmente importantes que deixaram para trás e nas suas vidas. Todos aterrados com os seus receios interiores e desprovidos de qualquer bem.

A morte estava próxima. Quase conseguiam sentir o seu toque. Ficaram pessoas no avião. No mar. Como aquele homem que levou com a mala, por exemplo. Agora, o avião estava no fundo do oceano com o computador topo de gama de Bela e os seus dados preciosos, as suas roupas da Lanidor (que ela adorava) e todos os seus objetos pessoais. Teria de comprar tudo de novo. Só o telemóvel tinha escapado ao ficar desligado no bolso das calças. Não que adiantasse alguma coisa. Ela mergulhou no mar, estava encharcada. Não tinha a certeza se ela ia sobreviver, quanto mais o telemóvel. Se Linda soubesse o que estava a acontecer, dava-lhe uma descompostura. Conseguia a ver dizer com ar de sabe tudo «eu bem te avisei, se não fosses teimosa nunca terias de sofrer isto!»

A camisa de Bela estava molhada, via-se totalmente o sutiã almofadado e os contornos do seu corpo. Encolhia-se de vergonha. Sentia como se tivesse caído no ninho de formigas, como se milhares de formigas tivessem a passear no seu corpo a picar, a rastejar até ao ponto de não saber onde socorrer primeiro. O chão do armazém estava cheio de terra, poeira, sujidade e os plásticos nojentos. Sentia-se suja. Cheirava mal. Sentia-se tonta de tão nauseada. A cabeça pendia com uma exaustão nervosa, mas o vento e a tempestade não a deixavam descansar. Começou a sentir uma comichão mais forte no braço, coçou-o nervosamente.

Ao seu lado estava um homem ao vê-lo ficou chocada, ele estava cheio de manchas na pele e coçava-se todo. Ela, sem pensar, afastou-se dele rapidamente. Ao aproximar-se das outras pessoas, estas tiveram a mesma reação do que ela, afastaram-se também. Quando viu, todas as pessoas estavam a fazer um semicírculo perfeito que as separavam do homem das manchas e dela. O homem virou-se para Bela e disse:

— Olha tem as mesmas manchas que eu... o que é isto? — ao tentar tocar em Bela desmaiou e ficou ali no chão com o braço estendido. Bela encolhida a coçar-se ainda mais.

As pessoas ao redor afastavam-se com o medo e repulsa daquelas bolhas no corpo do homem. Amareladas com um contorno negro com um aspeto doentio e medonho. Ao ver que todos se afastaram, ela aproximou-se e examinou o homem desmaiado.

— Este homem está a arder em febre, alguém tem um cobertor ou manta que lhe possa dar? Ou um antipirético? – As pessoas afastaram-se mais. Como podiam fazer aquilo? O homem estava doente num país estranho e nem um cobertor tinha!

Teria mesmo as mesmas manchas que ele? Levantou a camisa para ver o que mais temia. O coração parecia querer fugir-lhe do peito e toda aquela nojeira estava-lhe a dar ainda mais comichão. Será que aquelas bolhas poderiam rebentar? As pessoas olhavam para ela como se ela fosse explodir.

Os restantes passageiros continuaram a olhar apreensivos, sem se aproximar e nem dar qualquer resposta aos pedidos de Bela. Algumas pessoas que estavam mais afastadas murmuravam entre si. Até que o piloto do avião, que o nome Bela não tinha memorizado, chegou perto deles:

— Como se sente? — tocou com a sua mão na testa de Bela – Trouxe dois cobertores. Está com febre e este senhor também, temos que os acomodar melhor, como se chama? Sabe o nome dele?

— Não... ele desmaiou antes que eu conseguisse falar com ele. O meu nome é Bela Andrade. – respondeu. — O que temos? Reconhece esta doença?

— Não. Existe aqui alguém que seja médico? – perguntou o piloto.

O silêncio preencheu o armazém. Até as pessoas que estavam a murmurar calaram-se. Não havia um único médico. Bela perguntou-se se haveria mais alguma coisa que lhe pudesse acontecer. Sentia a lei de Murphy a trabalhar contra si.

O piloto não os pôde ajudar, mas pelo menos conseguiu um cobertor para cada um.

— Peço desculpa, mas vão ter que ficar à parte até percebermos qual é a vossa doença. Aqui estão dois cobertores. Vou tentar arranjar um transporte o mais rápido possível.

Bela sentiu-se grata pelo cobertor feliz porque se sentia muito desconfortável. Pouco depois outro homem juntou-se a eles com manchas iguais às de Bela. O seu olhar apavorado assustou Bela. No entanto, sentou-se em silêncio. O som da chuva toldou os sentidos de Bela e ela sentiu como se o armazém estivesse a andar à roda... 


Investigação na IndonésiaOnde histórias criam vida. Descubra agora