67. A Reunião

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Linda e Bela entraram na empresa. Esperaram pacientemente na sala pelo Dr. Gonçalo. Quando ele veio ter com elas, a sua expressão foi ficando cada vez mais pálida ao reconhecer a mulher de lenço que esperava ao lado de Linda. Estava a ver um fantasma do seu passado. Quando chegou perto gaguejou:

- B-B-Be-B-B-Bela?! – Dr. Gonçalo caiu na cadeira onde se devia sentar com os olhos arregalados.

- Boa tarde, Dr. Gonçalo, como está? – disse com satisfação – Estava ansiosa por vê-lo.

– Você tinha morrido! – disse a apontar o dedo acusador – eu vi a lista de mortos do acidente! Eu fui ao seu funeral!

– No entanto, como vê estou bem viva -, disse como uma certa diversão.

– Sim! – respondeu ele a demonstrar uma certa indisposição, poderia-se dizer mesmo decepção, que logo repôs ao dizer delicadamente – Ainda bem que está! Como isso aconteceu? Vamos para o meu escritório, assim poderemos falar melhor.

Dirigiram-se ao gabinete do Dr. Gonçalo. Enquanto caminhavam Bela explicou resumidamente a troca de nomes e a razão de ter ficado perdida na Indonésia. Quando chegaram e se acomodaram, o Dr. Gonçalo já muito incomodado com a surpresa:

- Então Bela, o que a traz aqui? Veio devolver o valor da indemnização?

- Não, afinal posso não ter morrido mas sofri o acidente de avião e considerando todos os incidentes, acho que o pagamento da indemnização era pouco, não acha? – Bela viu divertida o Dr. Gonçalo a engolir em seco – O que me traz aqui é o relatório que me pediu.

– O relatório?

– Sim, mais propriamente venho entregá-lo.

– Ma-mas como?!

- Durante a minha estadia na Indonésia, estive a observar as instalações, os métodos de trabalho e o que acontecia às pessoas que eram enviadas daqui. Percebi que a sua proposta era mais do que uma demissão, era um convite para ser morta.

- Como pode dizer uma coisa dessas?! – gritou. Começou desatar a gravata nervosamente.

- Não se finja de inocente. Afinal de contas quando saí daqui ouvi uma conversa bastante peculiar com o seu assistente que dizia que havia informações que não me estava a contar... Nunca pensei é que fossem tantas e que a minha vida corria perigo.

» Engraçado pensar que um furacão e uma doença rara e estranha pudessem salvar-me a vida em vez de ma tirarem. No entanto, foi o que aconteceu. Graças ao meu azar, tive uma sorte bastante grande e fugi ao acidente que todos os colaboradores que vão fazer o relatório na Indonésia sofrem quando vão para lá. O encarregado que os irá receber pede para esperarem em Jacarta por um assistente muito útil que faz acidentes acontecerem mesmo antes de os colaboradores chegarem a Padang. Sabe o mais engraçado? É que os seus assistentes revelam-se muito facilmente quando pensam que ninguém percebe a língua deles.

» O mais estranho é que o próprio diretor do campo de exploração não sabe de nada... Para não dizer que é Miguel, lembra-se dele certo? Eu jurava que ele tinha-se demitido no entanto , ele foi promovido a diretor enquanto eu ainda era apenas uma subdiretora... O mais incrível é que fui para lá sem saber de nada. O Dr. Gonçalo sabe os problemas que tivemos, mas como não esperava que chegasse tão perto, não havia problema, não é verdade? Pensar que o Dr. Gonçalo está a enviar pessoas para a morte? Realmente é indigno de mim! – Bela riu-se da sua ironia, enquanto Gonçalo já estava praticamente sem gravata, mas cada vez mais vermelho.

Até entrar nas instalações da empresa na Sumatra eu não poderia saber, mas assim que entrei foi muito fácil. Os e-mails são constantemente abertos pelo encarregado, ele consegue aceder a eles antes do que a secretária do diretor. Ele até recebe emails que o diretor não recebe diretamente daqui. O diretor de lá não sabia, mas o Dr. Gonçalo sabia, como é possível? Relatórios supostamente feitos pelo diretor são feitos pelo encarregado e apesar dos seus crimes, o diretor sente-se impedido de o despedir e de saber o que se passa debaixo do seu próprio nariz, diga-me Dr. Gonçalo, como isto é possível?


» Foi assim que liguei todas as peças deste puzzle. Seria muito difícil se eu não tivesse feito por meios não institucionais. Era fácil culpar o diretor e pronto, assunto resolvido, apenas porque sabe algumas coisas e não faz nada para o impedir. Tomaram todas as precauções, um diretor de fantoche para levar as culpas para o caso de uma pessoa conseguir realmente fazer o relatório, não é verdade? No entanto, a verdade é que foi você que deu esse poder ao encarregado, talvez até o tenha incentivado a fazer tanto os incêndios como os acidentes... Agora, todas as pessoas falam disso, precisa de um culpado e de um álibi para se desculpar e por isso continua a enviar pessoas para fazer relatórios, não é verdade?

» Você não é dono desta multinacional, mesmo que fosse não tinha direito de fazer isto sem ser punido. Pelo o que sei ninguém é verdadeiramente dono desta empresa porque é gerida por uma sociedade anónima de ações. Nem sequer, é o presidente da direção desta empresa. Sei que o emprego pode ser tudo para nós. mas ao ponto de matar pessoas?!

- A Bela não sabe nada! Se for ver não é assim tão diferente de mim! Afinal, mesmo sem nada e considerada morta pelo mundo inteiro ainda foi trabalhar num estúpido e desnecessário relatório! – Gonçalo estava prestes a ter uma apoplexia – a única coisa que interessa à empresa e aos nossos clientes é os resultados, o lucro. O custo de produção é mais barato na Indonésia, os trabalhadores ganham menos e os terrenos são mais baratos. O problema é que estas malditas palmeiras secam tudo e precisamos de comprar sempre mais. Devido ao pouco tempo que temos e à pressão  da demanda, acha mesmo que estamos a nos preocupar com florestas virgens, casas de agricultores que pouco produzem e relatórios inúteis só para ficar bonitos no Website?

» Como poderia continuar a baixar preços e aumentar a produção de óleo de palma se fizesse um relatório com todos indicadores de impactes ambientais da produção? Ainda mais estes relatórios são para estar expostos no Websites para TODA a gente ler! Como se isso fosse importante! Os resultados são o mais importante porque são eles que nos dão o lucro que temos!

– Diga-me, Dr. Gonçalo, e os empregados como eu que foram para a Indonésia apenas para encontrar a morte numa terra desconhecida?! Isso não é importante? Diga-me porque devo ter misericórdia de si, se me enviou para a morte? Mas, esteja descansado que a nossa conversa, esta conversa está a ser ouvida por mais pessoas. Como o presidente da empresa e a polícia claro. Seria muito fácil querer matar-me depois do que eu descobri.


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