Miguel levantou-se rapidamente. Para ter a certeza que era Bela, arrancou- a dos braços de Harta e tirou-lhe o lenço sem nenhuma subtileza. Harta deu um passo em frente para o impedir, mas ao ver a expressão de Bela ficou inseguro. Nunca a tinha visto a olhar assim para alguém com uma expressão de reconhecimento misturada com dor. Harta não podia nem conseguia explicar a aflição que sentia, a sua noiva nos braços daquele homem que era o responsável pela destruição da sua casa.
– Miguel! O que fazes aqui?! – perguntou a Miguel como se ela fosse a diretor a e não ele. Ignorou o aperto forte das mãos dele nos seus braços.
– Eu sou o diretor deste campo de produção! – respondeu indignado – eu é que tenho direito de perguntar o que estás aqui a fazer e quem é este homem que está contigo?!
– Solta-me que eu explico-te tudo – Bela fez um gesto para se libertar – não vais gostar, mas não é tão mau como parece...
– Ah! Não?... – Miguel arregalou os olhos para ela e Harta.
– Só viemos verificar algumas informações. Lembraste que eu era subdiretora da Global? – Bela não ia revelar que fora considerada morta o que piorava muito mais a sua situação – O Dr. Gonçalo pediu-me para fazer um relatório em segredo.
– Hum... – disse Miguel ainda despenteado de estar deitado – vamos dizer que acredito nisso, quem é esse? – apontou para Harta.
– É o meu noivo, Harta – disse Bela rapidamente – ele veio apenas para me ajudar.
– Noivo? – abanou a cabeça como não fizesse sentido –, mas porquê um relatório em segredo? Qualquer pessoa poderia deixar-te ver tudo, apenas precisavas dizer que vieste da parte da sede em Portugal...
– Já enviaram duas pessoas antes de mim e as duas morreram de acidente de viação.
– Como assim já enviaram?! – Miguel pousou a mão no estômago – eu não soube de nada! Como eu não soube de nada?!
Bela olhou para Harta. Ambos olharam para Miguel. Parecia que os segredos da produção de óleo de palma não terminavam, nem para quem comandava a exploração.
Miguel ouviu Bela e Harta a explicarem o que tinham observado nos campos e o que tinham ouvido no bar. Miguel penteava-se e despenteava-se sempre com a mão agarrada ao estômago. Harta e Bela olhavam apreensivos para ele.
– Porque estás tão nervoso? - perguntou Bela – tudo o que precisas de fazer é denunciar e despedir o encarregado...
– Não é tão simples assim... – Miguel passou outra vez a mão pelo cabelo.
Bela agarrou um dos snacks que estavam em cima da mesa e deu para Miguel.
– Estás outra vez com dor de estômago. Come e explica tudo.
Harta sentiu uma pontada no coração. Eles estavam a falar tudo rapidamente em português, ele sentiu-se excluído. Bela falava e agia como se conhecesse tudo sobre este estranho que estrangulava o seu coração. Tinha vontade de a agarrar e levá-la para longe dele. No entanto, sabia que não podia.
Miguel engoliu o bolo rapidamente e explicou a custo a situação da exploração, a pressão, exigências e ameaças da sede.
– Quer dizer que tu sabes dos incêndios?! – Bela quase gritou. Miguel colocou o dedo nos lábios. Harta sentiu os músculos das costas contraírem-se enquanto lutava para não bater naquele monstro que destruiu a sua casa.
– Nós tentamos atuar mais na floresta do que nas casas dos camponeses, mas por vezes chega lá e não há muito que possamos fazer do que comprar os seus terrenos...
– Por metade do preço! – acusou Bela.
– O que posso fazer se comprasse por preço normal seria esquisito estava a revelar culpa...
- Que tens! – acusou mais uma vez Bela – nunca pensei isto de ti, Miguel... Tu podias ter mau feitio mas nunca fizeste nada ilegal para conseguires o que querias!
- Será que não entendes que os prazos são impossíveis! Eu tenho que os atingir para que as metas da empresa sejam cumpridas, senão fecham este campo de plantação! – despenteou-se Miguel mais um pouco – o solo está cada vez mais improdutivo , os adubos não dão certo e é preciso uma grande quantidade para fazer o óleo, deves saber disso! Existem centenas de pessoas a trabalhar aqui, sabes o que vai acontecer a elas se isto fechar?!
Bela olhou para ele com uma expressão triste. Não concordava, mas via o desespero de Miguel. Ele acreditava mesmo que não tinha outra saída.
- Por favor, eu deixo-te ver tudo o que precisas, mas não digas nada sobre os incêndios...
- Eu não preciso de dizer, os noticiários já o fazem por mim – Bela olhou-o com pena – é o encarregado que os executa?
- Não sei, apenas dou o dinheiro para a compra de terrenos, ele trata de tudo.
Bela abanou a cabeça. Harta parecia congelado no lugar que estava sentado com os punhos cerrados. Bela sabia que ele estava a controlar-se.
– Miguel, vou-me concentrar o relatório nas razões porque isto acontece e como resolver para evitar que o campo feche, esse é o meu plano desde que cheguei aqui. Não impede que sejas incriminado, OK?
Miguel assentiu ainda com mão no seu estômago. Bela recomeçou o seu trabalho enquanto Miguel e Harta continuavam sentados. Após alguns minutos, Harta disse entre dentes:
– E se te incendiassem a tua casa, destruíssem tudo que tens com a desculpa do bem geral, gostavas?
Miguel olhou para ele como um cão abandonado. Nem conseguiu responder.
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Investigação na Indonésia
Mystery / ThrillerBela, subdiretora da Global, é enviada para investigar os estranhos incêndios supostamente causados pela sua empresa na Indonésia. Durante a viagem, ela perde tudo inclusive a sua identidade o que a leva a refletir sobre a sua vida e o que é importa...