56. A Chegada de Linda

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Dois dias depois, Linda chegou. Foi ter ao hotel onde Bela estava a trabalhar, na hora de saída de Bela. Quase não a reconheceu. A sua primeira pergunta foi:

– Porque estás a usar esse lenço com este calor todo?! – Linda estava chocada com a aparência da irmã. Estava muito magra, vestia roupas leves e largas, tinha um lenço como uma muçulmana e algo na sua aparência estava descuidada. Bela sempre foi cuidadosa no seu aspeto, extremamente preocupada com a limpeza e agora parecia ter esquecido de tudo.

Bela ficou sem saber o que dizer. Sabia que não ia ser fácil, mas já estava a começar mal.

Já faz meses que não me vês e estás preocupada com isso! – abraçou-a quase a forçando. Linda estava ainda em choque, mas depois de receber o seu abraço, conseguiu retribuir. Tinha tantas saudades da irmã!

– Como estás? – perguntava enquanto inspecionava a cara e o estado de Bela – Como vieste para aqui? Não estavas em Palau?

Bela começou-lhe a contar tudo o que lhe aconteceu. Parecia um filme e a memória tendia a manter-se à distância nas situações em que sofreu mais: o acidente de avião, a doença, o incêndio na casa de Harta. Harta era a pessoa que ela não deixava de falar. Eles eram tudo para Bela.

Linda ficou surpreendida, mas conseguiu compreender porque Bela insistia em usar o lenço. No entanto, não gostava da ideia. Talvez a família Dewi a tivesse ajudado quando ela mais precisava, mas não queria dizer que agora ela virasse muçulmana e casasse com o filho deles. Era a vida dela, era Bela que teria de decidir. Ela nunca imaginara que a irmã ficasse tocada da forma que ficou. Pareciam os heróis elevados ao Olimpo em que nenhum humano pudesse chegar. Era um exagero. No entanto, revelava o quanto a sua irmã tinha sofrido.

Linda viu que Bela viveu de uma forma muito precária e agora não estava muito melhor. Qualquer pessoa conseguia ver isso pelas roupas que usava e o trabalho que tinha.

– Harta ajudou-te porque os da Global não te ajudaram, mas porque o hospital te deu uma viagem para a Indonésia em vez de Portugal?

– Vê isto – mostrou-lhe o documento identificativo provisório com que tinha ficado.

Linda ficou a olhar para o documento durante uns longos minutos, tentava compreender o que aquele nome e aquela identidade falsa significavam.

– Eles pensam que tu estás morta?! – disse mais para si do que para Bela – Quem morreu foi esta rapariga? Bulan? Porque não esclareceste a situação?

– Como faria isso se aqui ninguém me conhece? Cheguei aqui convencida que a minha família iria me receber mas nem tu nem o Tobias estavam em lado algum... Só então é que li bem o que estava aí escrito. O meu novo nome é Bulan e supostamente sou indonésia e não portuguesa. Só tu podes reconhecer que eu sou Bela Andrade e não Bulan Andrade.

– Por isso, recebi a indemnização... - murmurou Linda.

– Quanto recebeste?

– Vinte mil euros.

Bela ficou pasmada a olhar para Linda. Vinte mil euros era realmente muito para uma indemnização, era se calhar até demasiado para o valor que ela esperava.

– Eu tenho-os numa poupança, mas agora não consigo tirar já de lá. No entanto, eu pago-te assim que der, claro. Vou dar já algum dinheiro para sobreviveres – o coração de Linda doía só de pensar no que a irmã tinha sofrido – vais ficar comigo no hotel, já reservei um quarto com duas camas para nós.

– Está bem, mas primeiro vamos a casa para avisar o Harta e a família – pediu agarrando-lhe no braço – eles querem-te conhecer!

– Sim, também estou curiosa de ver quem são – no entanto, o seu tom era desconfiado.

Linda aprendera desde que os seus pais morreram que ninguém dava nada de graça para outra pessoa. Havia sempre um interesse por trás. Quando os pais morreram, ela tinha quinze e Bela tinha dez anos. Foram morar num anexo de um vizinho de um tio, onde elas podiam viver a um custo baixo. Era uma forma de se livrar das sobrinhas indesejadas. 

No aniversário de dezasseis anos de Linda , a sua prenda não foi uma roupa nova ou um livro, mas sim, um emprego com a ajuda de um amigo da família. Um convite para começar a pagar a sua estadia no anexo. Linda queria continuar a estudar e sair com as suas amigas. Já era o suficiente ter perdido ambos os pais num acidente, ter de ser responsável pela casa e pela irmã.

No entanto, para sustentar a casa teve de trabalhar durante o dia e estudar à noite com outras pessoas muito mais velhas. A sua inocência, juventude ficou perdida no acidente de estrada que matou os pais. Por isso, duvidava e muito que meros estranhos tivessem acolhido Bela sem pedir nada em troca. Havia algo ali nem que fosse para a forçar a casar com o tal Harta. Queria ver com os seus próprios olhos. Queria testá-los. Bela estava ali à sua frente sã e salva, não a ia perder outra vez.

Investigação na IndonésiaOnde histórias criam vida. Descubra agora