Capítulo 60

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      O mar o havia ensinado que desistir era morrer, e a vida para ele se resumia em lutar contra a morte. Mas se via agora enfrentando aquela mulher que, pressentia, poderia ser uma tormenta nunca antes enfrentada, talvez sua derradeira batalha. O desafio de subjugar aquele oceano desconhecido o excitou sobremaneira.  Era um homem viciado na boa adrenalina e por isso, esqueceu das medidas de segurança indispensáveis e se jogou de cabeça nas aguas turvas da imprecisão. 
       Ruy sentiu os músculos se retesarem, a respiração se acelerar, e o pensamento se apagar antes de se jogar naquela onda mortal.
       Interrompeu os passos dela e disse, sem titubear:
       - Você me enfeitiçou...
       - É porquê você não tem uma mulher.
       - Como assim?
        - Suas unhas estão mal cortadas - concluiu ela.
       Ruy concordou com ela, porque não era homem de meias verdades; ela tinha razão, nunca tivera aquela que cortasse suas unhas. Sua vida sem pouso não lhe dava tempo de pensar em unhas e... mulheres. Sua paixão era o mar bravio e as montanhas de gelo, no inesperado que representavam e seu prazer estava na sensação experimentada ao supera-los. Mas as mulheres eram, infelizmente, sempre iguais, queriam sempre a mesma coisa e faziam tudo do mesmo jeito, então nenhuma conseguira tirar seu sossego. Mas ela era diferente, porque reunia a qualidade que sempre desejara numa mulher: ser um desafio.
       Mergulhou em seus olhos verdes-esmeralda e ficou tonto de desejo. Aquela era a mulher que o faria esquecer as ondas e as montanhas.
       Ela o fitou com um semblante desanuviado, reconhecendo nele um adorador e isso lhe despertou uma curiosidade saliente. E se perguntou porquê aquele homem conseguia prender sua atenção. Os homens em sua vida cumpriam uma missão, mas aquele parecia sem propósito, no entanto, se sentia atraída, quase disposta a ceder ao instinto.
       Ruy percebeu o vacilo dela e se aproximou mais, e mais um pouco, até que encostou seu corpo nela, e foi arrebatado. E ficaram assim, ouvindo a respiração ofegante um do outro, se movendo ao som da música que chegava ate eles.
       Não havia para ambos razões para não estarem como estavam. Não havia culpa e nem qualquer traição, porque pessoas do passado eram novamente reconduzidas umas para as outras. E aquele reencontro era obra do destino.
       O que dizer da inevitabilidade? Nada! O que teve que ser, foi; o que tem que ser, é e o que tiver que ser, será. Essa é a Verdade universal!
       Salamandra sentia o corpo do surfista de encontro ao seu e os prazeres que ele prometia. E fechou os olhos quando ele a beijou. Foi um beijo curto, mas intenso, que os deixou dominados por um intenso desejo de esquecerem quem eram e onde estavam.
       Ele passou as mãos em suas ancas e o tecido liso e macio do vestido denunciou sua nudez por baixo dele e isso despertou sua imaginação, e sentiu o prazer antecipado de possuí-la. Soltou um grunhido, apesar de tentar abafa-lo. E tremeu quando ela disse:
        - Eu gosto de ouvir...
       Ruy não conseguiu mais se controlar, a encostou no chorão e com a mão direita, acariciou sua perna. E ouviu a respiração dela se acelerar conforme escorregava sua mão coxa acima.
       Para alguns o destino era assim, um acaso escrito no tempo. Mas para Salamandra não havia acaso. O destino enviava sinais claros que a fazia crer que nada fora uma escolha dela. A vida era uma trama de eventos que culminava num grandioso plano divino. E o passado era um lugar de referencia, e não de permanencia. E por isso ela não se  prendia a nada. Deus iria terminar a obra que era a Sua vida independentemente de qualquer um, portanto, era um desperdiço qualquer amargura, revolta, ou desanimo.
       Convencida de seus próprios argumentos, ia se abandonar quando ouviu uma tosse abafada. Um alarme soou em seu espírito que a fez submergir da onda de Ruy, e delicadamente o afastou. Olhou ao redor em busca do bispo, mas ele não estava por ali, nem ele e nem ninguém. Então, quem havia tossido baixinho? Acabou por concluir que a tosse fora fruto de sua imaginação, mas tão real ao ponto de acorda-la daquele enlevo.
       Ruy a fitou com os olhos enevoados de desejo, buscando o sinal verde de alguns instantes atrás, mas este havia se fechado para ele. E soube que aquele momento magico havia chegado ao fim.
       Para ela era sempre assim, aquele alarme que a despertava para a realidade de quem ela não era. De uma coisa tinha certeza, que não tinha poder algum contra o próprio destino que ela sequer sabia qual era! Nem ela e nem ninguém.
       Sem saber dos motivos dela, Ruy perguntou, desejoso:
       - Por quê você não paga para ver? Vai valer a pena, garanto.
       Olhou para o homem à sua frente, que tinha a fronte molhada de suor do prazer não sentido. E respondeu, antes de se afastar:
       - A onda passou...

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