Capítulo 33

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Murilo era um homem maduro, mas não se tratava apenas de idade, e sim de experiência. Tinha compromisso com seus ideais e os tratava com extrema responsabilidade.
Sentia-se confortável com a vida que levava, mas apesar disso nunca se colocava numa posição estável, porque buscava cada vez mais o melhor de si mesmo. Para ele a ambição não se tratava só de dinheiro, mas de ser um homem cada vez melhor em todos os  aspectos. Não precisava de ninguém para empurrá-lo morro acima, porque tinha motivação própria, e sabia se virar sozinho.
No trato com as mulheres era como um cavalheiro medieval, quase um machista, daqueles que levavam flores e abriam a porta do carro. Fazia questão de deixar a mulher perceber que se importava com ela e que estava disposto a protegê-la.
       Apesar da beleza não ser o seu principal atrativo, se destacava entre os outros e sempre se dava bem com o sexo feminino, exercendo um magnetismo inevitável sobre elas. Mas, se daria bem com as mulheres mesmo se fosse feio, porque era um homem charmoso, que as conquistava de uma maneira que um homem que é apenas bonito nunca conseguiria fazer. O seu charme estava no jeito de olhar, de sorrir, de falar, de andar e isso era algo involuntário nele. Charme era a transpiração da alma, alguns nunca transpiravam, outros transpiravam demais. E isso era que diferenciava as pessoas, essa luz interior.
       Muitos homens acabavam deixando as coisas rolarem e, quando tudo dava certo, simplesmente diziam que havia ocorrido uma química. Mas ele nunca deixava a conquista de um grande amor ao acaso. Se encontrasse uma mulher especial partia para o cortejo. E não se considerava um privilegiado, nem sortudo, porque sabia que era possível atrair conscientemente qualquer mulher. Isso o extenso rol de conquistas que exibia, endossava.
Era um homem seguro de si mesmo, que diante de decisões difíceis se levantava e ia resolver seus problemas. Jamais se escondia ou esperava que os problemas se resolvessem sozinhos. E diante de uma mulher que lhe despertasse o interesse tomava a iniciativa de abordá-la, e se já estivessem conversando, de beija-la.
        Mas a qualidade dele que inicialmente chamara a atenção de Salamandra fora sua inteligência prática, não era só um garanhão belo e requintado, ele era esperto, sabia se virar em situações cotidianas como trocar um chuveiro ou o pneu de um carro. E tinha valores morais que admirava. Jamais passaria os outros para trás para se dar bem, coisa que ela jamais toleraria numa pessoa, e quando se comprometia com algum projeto ou com alguém honrava esse compromisso ainda que saísse prejudicado.
E era um homem popular, não ficava fechado no seu grupo de amigos quando estava num bar. Tratava com simpatia todas as pessoas próximas, fossem amigas dele ou o garçom. Sempre conversava com o máximo de pessoas que pudesse e arrancava risadas onde estivesse. Não era pessimista, e nunca pensava no pior da vida. Era um cara agradável de se ter ao lado, que passava boas energias e que sempre procurava o lado bom das coisas e das pessoas. E no mundo em que ela vivia precisava de pessoas assim.
        Outro ponto forte dele era que ele a fazia rir e este seu bom humor foi um afrodisíaco fatal.
Não procurava um relacionamento amoroso, mas ele estava ali do seu lado diante de qualquer coisa, era companheiro e disposto a passar pelas mais diversas situações ao seu lado. E se rendeu àquele homem quase perfeito para si. Quase perfeito porquê, apesar de serem muitas as qualidades dele, havia uma complexa situação que ele não conseguia trabalhar e melhorar; Murilo não conseguia ser fiel. E a fidelidade era uma qualidade que ela não podia dispensar, não naquela época.
Ele ainda tentou explicar que no mundo em que viviam, com propostas de relacionamentos abertos a todo instante, ser fiel era doloroso e se contrapunha à sua filosofia de vida. Não fez esforço para disfarçar como pensava e como era, não tentou fingir que não era assim só para retê-la ao seu lado, não fez promessas que sabia não conseguir cumprir; ele era um homem de caráter. Mas para ela a fidelidade era um atributo que não poderia transigir. E por isso foi embora.
Agora ele a observava encantado, se recriminando por tê-la deixado sair de sua vida no passado, e prometendo a si mesmo que isso não voltaria a acontecer. Tinha voltado para reaver a única mulher que lhe despertara amor, e a vida sem amor já não tinha a menor graça.
- Ei, onde você está que não está aqui comigo? – perguntou Murilo, tocando gentilmente sua mão sobre a mesa.
Ela sentiu o calor do toque e novamente afastou a sua. E para fugir da intimidade que as lembranças em comum estabelecia, perguntou:
- Mas o que vamos fazer hoje?
        Ele lhe mostrou algumas fotos de telas e esculturas:
- O que você acha?
Analisou as fotografias e concluiu:
- Acho que você deveria investir em arte que se afina com a nova era, onde não existirá tristeza. E por consequência deveria fugir das obras que encerram em si uma grande melancolia.
- Mas se não me engano você sempre disse que a arte deve comover as pessoas.
- Mas a emoção não conduz à tristeza ou ao sofrimento, os afasta. A tragédia é que é o aspecto do inferno.
E concluiu para si que haviam muitas obras de arte retratando a desgraça humana. E que cada vez mais, mais pessoas gostavam do drama que essas obras lhes despertavam. No entanto, a arte deveria despertar alegria e não tristeza.
Se virou para Murilo, dizendo:
- Quando a fealdade se associa a verdade e ao bem, e pessoas fazem disso alvo de admiração e respeito, percebemos como neste mundo existem equívocos.
Murilo fingia prestar atenção às suas palavras, mas se tivesse que repetir uma palavra sequer do que ela havia dito, não conseguiria.
- Amo você. - Acabou por dizer, possuído por um desejo incontrolável.
Ela ergueu os olhos e o fitou, empalidecendo. Não se sentia preparada para aquela declaração, não partindo daquele homem àquela altura de suas vidas. E desviou os olhos sentindo-se subitamente tímida. E se perguntou o porquê de seu coração estar batendo disparado dentro do peito.

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