Capítulo 71

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      Theo e Margot saíram da biblioteca e desembocaram no salão cuja animação crescia conforme as horas e as rodadas de bebida, avançavam. Eles também estavam exaltados, como duas crianças abrindo os presentes na noite de natal. E se entregavam de bom grado àquela efervescência dos sentidos, ansiando pelo delírio derradeiro que engolia e adormecia a razão. Juízo para quê? A vida era uma grande aventura e nenhum dos dois nunca se abstiveram de se emocionar em algum momento de suas existências. Eram criaturas intensas, verdadeiras e corajosas. Então, rodopiavam no salão  com os pés no chão, mas com a cabeça nas nuvens. Sentiam-se leves como se possuíssem asas nos pés, e riam e bebiam todos os drinques oferecidos. Comemoravam a conjunção de fatores que se alinharam de modo a uni-los naquela noite.
      Theo era um marujo acostumado com tabernas e suas mulheres sedentas de atenção, mas as longas pernas de Margot entrelaçando-se num ritmo frenético eram mais inebriantes que barris de rum e começava a desconfiar de si mesmo. Tentava desviar os olhos delas, mas parecia hipnotizado. Agora podia entender a vertigem de Degas por bailarinas, pois estava fascinado por aquela saia de tule; era tão diáfana!
       Margot de há muito perdera a sobriedade, mas em qualquer estágio de embriaguez podia sentir a cobiça masculina sobre sua pele, e Theo a desejava. E isso atiçava sua imaginação que ja era pródiga. Gostava daquele cortejo sem mesura, despudorado, pois era nessa seara que se sentia a dona do pedaço; ela tinha a varinha de condão que fazia o coelho surgir na cartola!
       Aproximou-se e colou seu corpo ao dele, chamado-o para a dança. E sentiu a tensão se apoderar dele.
        - O que acha de me levar para seu palco? - cochichou no seu ouvido.
        No carro, Theo colocou a música e abriu o teto solar para que os vapores de álcool se dissipassem. E viu Margot subir no banco e colocar meio corpo para fora do carro. Então, enlouqueceu, possuído por mil demônios criou mil mãos, as que dirigiam, as que agarravam aquelas pernas e as que o acariciavam.
        Margot cantava alto, sentindo o vento frio bater no rosto e desarmar seu coque chic. Estava feliz! Mas pelas mãos ávidas que percorriam suas pernas sabia que o motorista não estava mais no controle de si, por isso se sentou; ele merecia mais.
         Subiram até a cobertura onde Theo vivia, e ele, abrindo a porta para que ela entrasse, disse:
        - Benvenuto alla mia ribalta!
        Margot fez um gesto gracioso de agradecimento e entrou no covil daquele lobo solitário.
        - Fique à vontade. Vou para o quarto. - Disse Theo, sumindo num corredor.
        Margot entendeu a mensagem e correu para um banheiro onde pudesse tomar uma ducha rápida. Ele ja havia bebido muito e já não era tão jovem, considerava enquanto se preparava para o abatedouro.
        Completamente despida, entrou no quarto dele e parou para que ele tivesse tempo de contemplar o menu antes de degustá-lo.
        Para Theo a prostituição era uma arte como a massagem ou os penteados, ou como as vestimentas que se usava num dia e no outro se tinha a necessidade de trocar. Não havia pecado no trabalho escolhido para se garantir a sobrevivência, e aquele era mais um ofício, porquê cobrava pelo beneficio que causava no contratante: a ficção de acreditar que seduzira aquele ser por seus dotes físicos e não por seu dinheiro.
No caso dele, elas tinham estratagemas para não desencantá-lo antes do tempo, para fazê-lo crer que o prazer que sentiam não era fingimento e nem imposto pela paga ao final. E essa era a prestação de serviço que todo homem precisa para se manter senhor de si. Ilusão? Talvez. Mas o que era a vida senão uma grande ilusão?
       Mas Margot não era uma profissional do sexo, era uma grande atriz que precisava de um padrinho para fazer soar-lhe os tambores. Depois disso, desse empurrãozinho, reinaria absoluta nos palcos do mundo.
       Levantou-se e pegando seu roupão de banho cobriu o corpo dela.
       - Vá dormir, Margot, você não me deve nada.
       A recusa dele a desconcertou, porque a noite toda ele mostrara seu desejo por ela.
      - Fiz alguma coisa que o desagradou? - perguntou, receosa de ter perdido seu "Genésio" quando interrompera seu idílio no carro.
       - Vous êtez un ange.
       - Pára de falar coisas que não entendo!
       - Você é um anjo, o meu anjinho... mas agora vai dormir, por favor.
       Aliviada em seus temores, Margot procurou um quarto ao lado do dele, mas só por medida de segurança deixou a porta entreaberta, vai que ele mudasse de idéia e a chamasse de volta.
       Acordou com ruídos vindo do quarto ao lado. Era um barulho surdo; parecia que duas pessoas lutavam em surdina. Levantou-se e correu para o quarto de Theo e parou quando ouviu gemidos abafados. Entreabriu suavemente a porta e viu a fera devorar uma bela...

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