Capítulo 91

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Ruy pensou quanto tempo teria que passar até se reencontrarem. Talvez muitas reencarnações, ou apenas um tempo nesta mesma vida. Mas no presente, que importância tinha o futuro? Era impossível para uma pessoa aprender aquilo que achava já saber. E o mar o ensinara que viver era respirar...
A vida era um instante entre duas eternidades, que já era tempo suficiente, mas as pessoas perdiam esse precioso momento com coisas inúteis. Elas não conseguiam desapegar dos conceitos limitantes para recriar uma forma livre de existir. Mas ele renunciara a própria vida quando decidira desafiar os mares nas suas mais imponentes manifestações e, por isso, movido por esse mesmo impulso, se virou para ela e beijou sua boca, e se surpreendeu quando foi correspondido. E, então, novamente submergiu na sensação que só a tragédia causava, a da perda do controle e da infinitude desejada. Ele sabia que a vida não avisava o dia da partida e todo momento podia ser o da despedida. Ele sabia, só ele podia sabe-lo, que a vida vinha como ondas no mar.
Como quando se lançava na crista de uma onda, Ruy cobriu o corpo dela para beija-la melhor. Suas mãos seguraram as dela com firmeza, como seguravam a prancha, e a investida mortal aconteceu, e ele, acostumado à lutar para não ficar, descobriu o prazer de permanecer.
Ela também não esperava aquele avanço de Ruy, mas gostou e correspondeu. E enebriada pelo ineditismo e por gostar do beijo, se deixou levar. E mergulhou no carinho úmido e morno do beijo masculino e tudo que julgava dominar desapareceu sob o jugo das novas sensações. Da esdrúxula criatura que fora, por auspiciosos desígnios ou por um enigma maldito se tornara uma mulher eterna e se a eternidade era um castigo, aprenderia como suporta-lo com prazer.
Rui sentiu o discreto assentimento do espirito dela e soube que o momento certo havia chegado; entreabriu suas ancas, acomodou-se entre elas e mergulhou fundo numa posse mística.
A conjunção não foi carnal, mas ela o sentiu nas suas profundezas, e o vai e vem usual foi substituído pela cadência de uma linda melodia que contava uma longa história. Ela não suportou os embates que todo homem fazia na busca do prazer, mas, uma carícia que mais parecia uma suave brisa.
O tempo as vezes avivava detalhes de outras vidas, e quando ele chegava ressuscitava sensações marcadas na alma, um conforto do reencontro consigo mesmo, talvez o acerto que se esperava ter  algum dia em alguma existência. E nessas horas só sentir podia parecer indiferença, mas era necessário muita cautela para interpretar o silencio; algumas vezes ele fazia perguntas, em outras ele dava respostas. E no caso deles, ele revelava segredos e esclarecia mistérios.
Ela permaneceu quieta, usufruindo daquele momento mágico, sem sentir qualquer incomodo. Ele também não fez nenhum esforço. Estavam em paz. E a paz era um sinal da presença de Deus.
       - Em algum lugar, além do certo e do errado haverá um jardim. Encontrarei você lá.
       Um agradável sentimento dominou Salamandra, antes de prometer:
       - Estarei lá, esperando por você.
E assim os destinos vão sendo cumpridos...

SalamandraOnde histórias criam vida. Descubra agora