Capítulo 53

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      Quando Murilo anunciou o engenheiro da obra, os olhares se voltaram para eles, para em seguida se fixarem na mulher deslumbrante que sorria discretamente. Murilo começou a bater palmas, seguido pelos convidados. Logo todos cercaram Miloch porque era ele a estrela da festa, ou pelo menos deveria ser.
      Num canto do salão, Margot balbuciou:
      - Que coisa mais démodé.
      - Tes cheveux sont aussi démodés.
      Margot se virou e viu um homem que sorria. E sorriu também. Apesar de bem mais velho que ela, era simpático. E se estava ali devia ser alguém importante e muito rico.
      - Quem é você? – perguntou, curiosa.
      - Je suis Theo.
      E gostou dele, do seu jeito brincalhão, da sua aparência e do sorriso que pairava em seus olhos.
      - Et qui etes-vous?
      Margot riu e disse:
      - Margot.
      Theo sorriu mais e apertou cordialmente sua mão. Ele não tinha mais pressa na vida porque não tinha necessidades urgentes a serem satisfeitas. Era um homem que chegava ao fim da linha como um trem seguro e confortável. Não haviam sacolejos e nem atrasos, tudo muito previsível e confiável. Esse era o fim da sua trajetória. Se resolvia sozinho, sem precisar de outra pessoa além dele mesmo. Não acreditava em Deus, mas nem por isso agia mal. Fazia parte de uma estirpe de homens de moral, cujas intenções, decisões e ações eram próprias de seres sólidos e justos. Nunca se casara e não tivera filhos, portanto, não deixava herdeiros para o bem e nem para o mal. E certamente por isso gozava do mundo o que o mundo tinha de bom àquela altura da vida: sua saúde invejável, a confiança que angariara e sua conta bancária confortável.
       Observou Salamandra e novamente experimentou aquela sensação desagradável. Havia alguma coisa naquela mulher que o incomodava sobremaneira. Ela tinha uma atmosfera de misticismo que lhe causava uma antipatia inevitável. Era um homem prático, que não buscava razões invisíveis para os fatos; a vida era o que era, sem mais delongas. Mas ela insistia numa razão sem razão para tudo e todos!
       - Vous-etes vieux.
       Theo se virou para a linda jovem com o cabelo démodé, sorrindo. Parecia desmiolada e provocante, por isso se dignou a dar-lhe atenção.
       - Você tem razão.
       Margot desviou os olhos dele, sentindo-se incomodada com a sua sinceridade. Longe dela ofendê-lo! Até simpatizara com aquele homem de barba e cabelos grisalhos.
       - Esquece o que eu disse, vai...
       - J'ai oublié.
       O garçom parou e Margot pegou duas taças de champanhe:
       - Vamos brindar a você e a mim! - E esvaziou a taça.
       Theo também virou o cálice, era um velho lobo do mar, por isso suportava beber além das pessoas comuns.
       - Você é muito engraçado.
       - Você também é...
       - Você é amigo do Murilo?
       Theo explicou que a amizade entre ele e o dono da casa era como uma construção antiga e sólida, erguida ao longo do tempo com muito esforço e boa vontade. Embora a natureza de ambos fossem diferentes, elementos se juntaram para fazer surgir uma afeição pacífica e respeitosa.
        - Então você também é um pesquisador?
        - Eu sou um colecionador que vende tesouros.– respondeu Theo, observando-a, e perguntando-se quem seria aquela jovem e o que fazia na casa de Murilo. Seria a última conquista de seu amigo ou mais uma dentre tantas?
        - Se você tem tesouros para vender é um homem abençoado! – Afirmou, sem qualquer segunda intenção.
        Margot admirava seu irmão e as pessoas que, como ele, conseguiam prosperar sendo fiéis as suas lendas pessoais. Ela também queria cumprir seu destino e saborear o sucesso da sua futura carreira como atriz. Por que sabia que mais cedo ou mais tarde haveria de fazer sucesso.
       Theo percebeu que o olhar dela se perdeu num mundo de esperanças de um possível futuro glorioso. As pessoas só perdiam esse dom de sonhar quando envelheciam. Mas as almas envelheciam em tempos diferentes, algumas perdiam esse dom tarde, outras, muito cedo. Ele mesmo não sonhava fazia tempo , até que Salamandra o avisara que não teria recursos após a morte se antes de morrer não fizesse alguém realmente feliz. E apesar de não acreditar nessa baboseira de vida após a morte, e nem na existência de papai do céu, passou a imaginar o que enfrentaria quando morresse. E então percebeu que ela conseguira quebrar o paradigma da sua indiferença, e nunca mais conseguira viver em paz. Ela, Salamandra, era bem mais jovem que ele, mas falava com tanta convicção que parecia saber de coisas que ele não sabia, e isso o intrigava, o incomodava, o irritava.
       Esqueceu Salamandra e suas previsões para se concentrar na pessoa a sua frente, que lhe contava seus planos:
        - ...eu farei diferente, vou ser a maior das atrizes.
        - E qual é a  diferença entre você e as outras atrizes?
        - Eu não interpreto, eu vivencio os sentimentos...
       - Me mostre essa diferença... – pediu, sorrindo da empolgação que via brotar naquela criatura singular.
       Margot olhou Theo com seus olhos analíticos, e percebeu, desconcertada, que suas mãos eram grandes e vigorosas. Aquele homem, que poderia ser seu pai, era mais viril que muitos outros que conhecera. Foi dominada pelo desafio de quebrar aquela resistência, de dobrá-lo ao seu mando, e de domina-lo inteiramente para provar a atriz que era. Se pudesse explorar seu corpo, certamente
conseguiria convence-lo, mas não podia avançar nessa performance. Então, mal intencionada, encostou-se nele, dizendo alguma coisa no seu ouvido.
        E a voz dela, a sua proximidade e o que ela sussurrou despertou Theo, e o homem tranquilo, acordou. E supresa Margot sentiu o prazer que ele poderia lhe proporcionar. E se encaixou nele, no intuito de deixá-lo cego de desejo.
Theo refletiu por breves segundos se interrompia a sua performance ou dava asas a ela. E concluiu que se era uma encenação ela era uma boa atriz, e passou a mão sob a saia de bailarina. Mas quando ia adentrar no salão de festa de Margot para jogar seus confetes, ela se afastou.
       - Sou ou não uma atriz diferente?

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