Capítulo 39

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Quem a chamava de materialista e insensível, comparando-a a um homem de saia, estava equivocado. Sua secura um tanto arrogante não a prejudicava; pelo menos não era uma dessas mulheres complacente. 
          Aprendera desde muito cedo a lutar pelas coisas nas quais acreditava e naquilo que queria para si, e foi por isso que se tornara gestora da fortuna de outros, pois lutava igualmente por eles.
         Quando conhecera Murilo, anos atrás, fazia parte de um fundo de investimentos. Ele tinha uma fortuna considerável e não queria se preocupar com ela, mas também não queria perdê-la. Era um rico preocupado com outras questões que não as financeiras, amante das aventuras e das conquistas mundo afora. Diferentemente dela, era uma pessoa leviana, que detestava compromissos além daqueles que firmava por prazer.
          As tratativas exigiram algumas reuniões, ele queria se sentir seguro, precisava estar tranquilo para tocar sua fundação de pesquisa, seu grande interesse na vida.
          Inicialmente o achou um homem rico sem punho forte, mais um herdeiro inábil e inútil, mas essa impressão logo cedeu a uma outra diametralmente oposta. Era um homem de ideais, consistente e extremamente inteligente, mas de espírito livre.
         Aos poucos o encanto de seus sonhos a envolveram, e ela sentiu que algo dentro de si era mais frágil do que julgara, pois descobriu nele um charme especial, um jeito de ser singular e muito atraente. E descobriu-se gostando daquele seu ar descompromissado, do seu sorriso fácil e do seu jeito desajeitado de tratar questões de dinheiro.
         Ao fim de algumas reuniões ele a convidou para jantar. Iam tratar de negócios e acabaram na cama. Ao seu lado, ela sentiu um prazer nunca antes experimentado, e se corrigiu jurando não se apaixonar. Mas ele gostou de seu jeito exato de fazer tudo, inclusive sexo. E depois da terceira vez era a responsável pela gestão da conta de Murilo dentro do Fundo de Investimentos da qual era sócia. E passou a administrar não somente seus recursos como também seu patrimônio. Não se deitara com ele com esse propósito, mas comemorou ambos os resultados.
          Jalou sabia que ele tinha muitas mulheres, mas nenhuma de fato. E foi ganhando terreno na vida dele, porque estava ao seu lado o tempo todo ainda que não estivesse, porquê cuidava do seu dinheiro e de suas fantasias sexuais. E foi assim que conquistou seu lugar na vida daquele homem fascinante.
         Ela também não queria compromisso sério, gostava daquela vida imprevisível, uma noite na cama dele, na seguinte, na cama de outro e, só as vezes, na sua própria. E quando se deitava sozinha sentia um imenso prazer, aquele que só a liberdade podia proporcionar, o da intimidade absoluta.
         Estava tudo certo, até que numa noite ele a recusou na cama. Sentiu-se mal, ofendida, infeliz, e percebeu que, como a criança que faz xixi na cama quando brinca com fogo, ela havia se queimado ao se envolver com ele. E se descobriu ardendo em paixão e ciúmes.
          Conhecia a natureza masculina e sabia que um homem só dispensava uma mulher para substitui-la por outra, portanto, a culpa de seus problemas era de uma mulher.
          Invadiu-lhe uma amargura profunda quando percebeu que ele nunca a amara, e sua ilusão de afeição transformou-se rapidamente num relacionamento frio entre gestora e cliente.
          Descobriu que sua vida escoara-se em grandes projetos, sem pensamentos graves, sem paixões ardentes, mas também sem sobressaltos e azares, mas que ele dilapidara esses anos como um pródigo joga fora moedas de ouro. E compreendeu, também, que se apoiara a um muro em ruínas; não havia sucesso sem amor.
         Em certo sentido havia uma triste sina em sua vida segura, havia satisfeito o desejo de dar aos outros tudo quanto se podia dar, acreditando que não sofreria com isso, que não se arriscaria a ser consumida por aquela escolha, mas agora sabia que o sucesso sem felicidade era fracasso. Foi então que decidiu, como mulher obstinada que era, estar do lado dele, apesar de tudo. Ele ainda confiava seu dinheiro a ela e era só disso que precisava para continuar a reinar na vida dele.
        Miloch entrou na casa e logo avistou Jalou. Ela estava ao telefone e parecia irritada. A conhecera na noite anterior, quando o recebera com cordialidade. Desde que fora contratado para construir aquela casa que resolvia tudo com ela, mas por telefone. Ela sempre decidia os detalhes da obra e resolvia tudo a respeito dos pagamentos, como se fosse a dona da casa. No entanto, ao conhecê-la, percebeu que era mais uma empregada de Murilo que sua mulher.
         Ao vê-lo, Jalou foi ao seu encontro dando-lhe um aperto de mão e continuou a bravejar ao telefone.
        - Estou com a lista das telas aqui, e está faltando uma! Ou vocês entregam o quadro ou os outros serão devolvidos.
         Os sentidos de Miloch foram repentinamente despertados, e se pôs a ouvir o que dizia aquela mulher de pedra.
         - Se esta tela não estiver aqui amanhã, vou devolver as outras.
         Viu ela desligar o telefone e olhando para ele, dizer:
         - Mandaram uma tela para um endereço errado, que absurdo!
         Dali um pouco o telefone tocou e ela atendeu. Seu rosto se suavizou num meio sorriso.
         - Que bom que o erro foi corrigido. Aguardo o quadro amanhã até as 10 horas. – e desligou.
         Virando-se para Miloch, disse, parecendo outra pessoa:
        - As pessoas só trabalham bem sob pressão. Menos você, Miloch! Vamos a obra. – e sorriu.
         Ele estava lutando entre o raciocínio e a intuição, e acabou por concluir que as coincidências já eram duvidosas e duas num só dia, improváveis. Ele sabia muito bem aonde fora parar o quadro que faltava. Aquela encomenda era um presente dele para sua mulher, e ali estava o comprovante.

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