Salamandra

Capítulo 83

       Salamandra se voltou para a porta, por onde Renzo entrava.
Renzo, por ele mesmo, aprendera a agradecer profundamente por ser abençoado com alimentos, vestuário e moradia e a sentir a proximidade não apenas dos humanos, mas de todos os seres vivos.
Na sua existência sempre fora assim: ao se deparar com uma questão difícil de ser resolvida, a entregava aos cuidados de Deus e ficava no Seu aguardo. E numerosas experiências demonstraram que essa atitude levava a resultados melhores do que os esperados e que podia afirmar que nenhuma vez ocorrera de os resultados terem sido da forma como temera. Eram sempre tão melhores!
E de tanto essa solução se repetir se acostumara a alimentar esperanças e a achar interessante o fato de os resultados superarem as suas expectativas. Quando surgia algo desagradável, momentaneamente se preocupava, mas logo pensava que se tratava da premissa para bons acontecimentos. E entregava o problema a Deus e percebia que a situação ruim, infalivelmente, trazia coisas boas. E percebia que, por vezes, eram  preocupações infundadas, e não se continha de tanta gratidão! Em suma, era uma pessoa agraciada de milagres.
Mas desde que passara a lidar com ela, viu uma luz se acender e iluminar novos horizontes. E desde então parecia faltar-lhe o aprimoramento para chegar àquele estado de espírito, após o máximo esforço em qualquer situação, de se entregar a Deus, pois isso significaria estar em estado de graça.
Ele e Adriano tinham uma categoria social especial e essa posição os fizeram crer que eram conhecedores dos homens e de suas malevolências. Mas agora sabiam que estas eram deduções excessivamente pretensiosas dos grandes pecados e que toda tentativa no sentido de ampliar esse conhecimento surtiria o efeito de uma invasão, e eles sabiam seus limites, dados por ela.
Ja não viam nela aquela incauta cuja verdade parecia mais mentira que a própria mentira. Também não enxergavam mais a si mesmos na imagem que viam refletida nos espelhos. E perceberam que estavam juntos e misturados através de sistemas excessivamente completos, com uma série de causas e efeitos demasiado exatos e demasiado claros para serem ignorados. E que a realidade não estava ali, ao alcance deles, porque eles não a continham inteira, sabiam somente parte do mistério de quem ela era.
Salamandra desviou os olhos do padre para fixa-los no bispo. A vantagem de lidar com aqueles servos de Deus e escravos dos homens era que quando confessavam, defendiam suas causas, e ela podia entender parte dos seus propósitos. Renzo parecia conformado com a vida que tinha, talvez até feliz com as escolhas que fizera. No entanto, Adriano era o conflito em pessoa, travando uma batalha íntima pungente, causticante, imperiosa e parecia depender dela para colocar um fim nos seus dilemas.
Viu Adriano ocupar a pesada cadeira de mogno, símbolo do seu status social, e Renzo sentar-se mais próximo da imponente mesa, confirmando a hierarquia que havia entre eles.
O que tinha para conversar com aqueles homens enlutados? O que poderia esperar daquela entrevista?