Capítulo 25

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       Murilo a aguardava em frente da galeria. Ao vê-la aproximar-se concluiu que era como uma tigresa; imponente, mas de andar macio. E era, sobretudo, perigosa, muito perigosa, porque tinha uma visão aguçada sobre tudo, tão única como são as impressões digitais.    O poder que ela emanava era tão perceptível que ele acreditava que permaneceria de pé mesmo depois de morta. Entretanto, era bela, graciosa e mansa, um tipo de mulher em extinção. E ele estava novamente pronto para devorá-la. Mas respeitava aquela mulher que parecia ter um status de nobreza, e por isso era cauteloso. Ela não era uma presa fácil; se percebesse que um homem tentava abatê-la, recuaria e sumiria. E ele já sabia que era o elemento surpresa que lhe dava prazer, que a fazia baixar a guarda. Como já sabia que ela demonstrava felicidade revirando os olhos e que confiava, fechando-os. E tudo que mais queria era ver era aqueles lindos olhos se fechando e revirando-se novamente para ele e por ele.
        - Você veio – disse, sentindo o desejo novamente consumi-lo.
       Ela apenas sorriu, aquele sorriso que iluminava o mundo a sua volta.
        - Vamos as compras? – ela convidou e entraram na galeria.
        Percorreram os salões devagar, as vezes parando em frente de uma tela, quando ele aproveitava para observá-la discretamente. Parecia ainda mais bonita! Sua vontade era abraçá-la, para sentir o corpo curvilíneo, macio e quente que tão bem lembrava. E beijá-la longamente, até que a tempestade consumada se tornasse uma brisa morna e suave. E como um adolescente apaixonado se perguntava como disfarçaria tamanha atração.
        - Esta é uma bela tela! – exclamou ela, sorrindo.
        Desviou os olhos dela para a tela a sua frente, e leu o nome do artista:
        - Vamos comprá-la!
        Foi a vez dela observá-lo. Gostava dele, gostava de tudo nele, concluiu. Era bastante alto, tinha um corpo esguio, um rosto de traços fortes, emoldurado por uma vasta cabeleira que ele costumava prender no estilo samurai. E apesar de ser um homem maduro, tinha uma vitalidade surpreendente. Também era um amante perfeito, e suas mãos grandes, fortes, com veias saltadas denunciavam essa disposição para o sexo. Talvez por ser um homem experiente sabia o que queria e como chegar lá. Mas ele apreciava os desafios de uma vida descompromissada e isso não lhe era permitido ter. Até pensara em aceitar seu convite para acompanhá-lo nas suas aventuras, até o fizera por algum tempo, mas entendera que a trajetória de vida dele era tão cheia de certezas que ele podia se dar ao luxo de viver buscando novos horizontes. Ela, ao contrário dele, não tinha certezas na vida e precisava delas para conquistar a liberdade. E fora por isso que o deixara sem aviso prévio. E agora ele ressurgia cheio de intenções, de novidades e de convites para novas aventuras.
         - Vamos comprar! – repetiu.
         E quando ele tocou seu braço com a mão, estremeceu, tremor que não passou desapercebido por Murilo.
         Controlando a emoção que o toque lhe causara, perguntou: 
         - Vai comprar uma tela só porque gostei dela?
         - Confio em você, na sua avaliação.
         - Mas não vai querer entender por que está comprando essa tela e não outra?
        - Depois teremos todo o tempo do mundo para você dar as explicações que desejar. E vou apreciar muito ouvi-las. Mas agora vamos continuar escolhendo as telas que decorarão minha nova casa.
       Continuou percorrendo os salões e repassando na mente a afirmação dele de que teriam todo o tempo do mundo. Ele não sabia o que era ter todo o tempo do mundo, nem ele e nem ninguém! E percebeu que o que mais buscava era justamente interromper o tempo, fazer uma breve pausa, para restabelecer a normalidade da vida, da sua existência.
       Quando deixaram a galeria já era noite e tinham fome.
        - Vamos jantar. – convidou ele.
        Ela pensou em Miloch, onde ele andaria, e com quem. Lembrou que seu telefone ainda estava desligado e cheia de esperança o ligou; mas não haviam mensagens, nenhuma ligação, nada. E aceitou o convite. Estava com muita fome, e Murilo parecia respeitar a passagem do tempo.
        - O que quer comer?
        - Sushi. – viu ele sorrir e sorriu também.
        Assim que entraram no carro o telefone dele tocou. Ele viu quem era e disse:
        - É o engenheiro responsável pela casa. Algum problema se atender?
        - Claro que não!
        Murilo desceu do carro. Quando voltou, disse, sorrindo:
        - A casa estará pronta em menos de um mês. Temos que dar uma grande festa para comemorar! E você é minha convidada especial... - e tinha a mesma expressão enigmática de anos atrás quando a convencera de que ele era o homem certo para ela, declarando:
        - Não te direi as razões que tens que me amar, pois elas não existem. A razão do amor é o amor.
         No restaurante pediram saquê para acompanhar o sushi. Relembraram muitos momentos em comum, viagens e experiências, como a de voarem juntos, e riram muito.
         - Voando descobri porquê os passarinhos cantam. - disse ela, relembrando as emoções experimentadas na ocasião.
        - Murilo, eu quero voar novamente.
        - Quando você quiser, meu anjo.
        Era sempre bom conversar com um pesquisador por profissão, e aventureiro por devoção.
         Murilo a olhava fascinado, reconquistado, revigorado. Mais do que nunca queria aquela mulher ao seu lado, para viver por ela e para ela. A levaria de volta ao Japão, para explorar a Porta da Rocha do Céu. E quando lhe declarou essa intenção, viu seus olhos se apagarem estranhamente e seu rosto empalidecer. Ficou parado, observando as mudanças que se operavam em seu semblante. Finalmente, os lábios crispados se distenderam, a palidez cedeu e a cor voltou a sua face e, por fim, seus olhos adquiriram um brilho fulgurante.
        Ele conhecia aquela aceitação tácita, e soube que ela iria com ele, e que nada a impediria de ir onde sempre quisera estar. E sorriu confiante quando ela perguntou:
        - Quando?

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