Capítulo 13

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Miloch sentiu o telefone dela vibrar e o ciúmes voltou com toda sua carga quando ela não atendeu. O que estaria ela escondendo? Quem teria ligado pra ela? O que ele não sabia que tinha direito de saber?
Passou mais uma noite insone, refletindo sobre sua vida, do rumo que ela tomara desde que a conhecera na sacristia do padre Renzo.
Lembrou-se desse dia. Era um fim de tarde morno e tranquilo e conversava com o padre Renzo em seus aposentos na sacristia. Ele o havia convidado para comemorar seu aniversário e apesar de muito atarefado jamais se negaria tamanho prazer. Rever e conversar com aquele bondoso homem, tão dedicado a salvação humana, tão culto e inteligente lhe fazia muito bem.
Mas naquela tarde conversavam amenidades enquanto aguardavam os outros convidados. As taças de vinho esvaziavam e eram enchidas com diligência pelo padre, e Miloch supôs que o amigo deveria estar ansioso. E já começava a se sentir constrangido pelo velho conselheiro, por ter sido esquecido num dia tão importante, quando uma mulher adentrou ofegante na sala.
- Meu querido amigo, quem se atrasa tem salvação?
- Depende... – respondeu Renzo, abraçando a bela e sorridente recém chegada.
- Você é testemunha do quanto este padre é bondoso! – disse, piscando para Miloch.
E desde logo simpatizou com ela.
- Este é Miloch, um grande amigo. – A mulher sorriu estendendo a mão.
E Renzo completou:
- E eis Salamandra! – e fez uma reverência com a mão direita, com um sorriso enigmático.
Quando apertou sua mão e sentiu sua maciez, um frenesi o fez estremecer levemente. Ela sorriu para ele, um sorriso que prendeu sua atenção, e depois dele só teve olhos e ouvidos para ela. E ficou observando-a discretamente, mas com agudeza de raciocínio, querendo entender por que ela o atraía daquela forma tão fatal, por que já se sentia tragado por um redemoinho de sensações do qual, já sabia, não ia querer se livrar.
Inexplicavelmente se sentia confortável ao seu lado, talvez, em segurança. Mas como podia sentir isso por uma pessoa que acabara de conhecer? No entanto, a impressão que tinha era a de que a conhecia desde sempre. E já podia antever um futuro com ela, de dias de intenso prazer e de paz. Seria isso o que os filósofos chamavam de destino? E ela tinha uma conversa despretensiosa, livre de freios e contrapesos, pura e simples, divertida, leve, casual.
Conversaram por horas, rindo, cheios de vinho. Falaram das viagens que fizeram, dos lugares que conheceram, do que comeram e beberam, e das coisas que tinham em comum e que eram muitas.
O que Miloch não via, mas que ela enxergava claramente, era que seus olhos prometiam dias melhores. Ele não sabia, não tinha como saber, mas ela também se sentia igualmente atraída por ele, quase hipnotizada, novamente interessada num homem.
Na cabeceira da mesa Renzo observava seus convidados com grande satisfação, ali estavam as únicas pessoas de quem de fato gostava, e de quem devia cuidar como um pai zeloso. E reabastecia discretamente suas taças com o vinho vermelho, encorpado.
Desde a chegada dela Miloch não reparou mais a ausência de outros convidados. Para ele o mundo lhe bastava em companhia daquela desconhecida de nome estranho.
E naquele ano só Miloch e Salamandra compareceram à festa de aniversário de Renzo, que saiu do salão à francesa, deixando-os às sós.
Miloch sorriu ao lembrar que, de repente, pararam de falar e se viraram em busca do aniversariante, mas Renzo havia desaparecido. Num acordo mútuo se levantaram e saíram. Levavam a garrafa de vinho, e bebiam nela, e riam muito. Quando se despediram, estavam bêbados, e ele não queria se afastar dela, pois não largava sua mão.
- Vou te ver amanhã – lembrou de ter-lhe dito. E que ela riu alto, antes de perguntar:
- Vai?
- Vou – e sem dizer mais nada, lhe deu as costas e se afastou.
Naquela noite, ao chegar em casa e sentir o perfume dela na mão direita uma excitação louca o dominou. Fez o que tinha que fazer para conseguir dormir, mas soube que se não tivesse aquela mulher jamais teria paz novamente.
E ali estava ela, deitada ao seu lado, dormindo como um anjo, enquanto ele se consumia de curiosidade; quem teria ligado para ela?

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