Capítulo 38

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       Miloch foi acordado pelo interfone. Esperou que alguém atendesse, para que voltasse a dormir, mas como continuava a soar, levantou-se cambaleante, esfregando o rosto com as mãos. Antes de atender, pigarreou para corrigir a voz rouca de quem acabara de acordar.
       O porteiro avisou que havia uma encomenda e que aguardavam para entregá-la. Minutos depois abriu a porta do apartamento e viu um grande embrulho adentrar no apartamento.
       Assinou a nota de entrega e sentou-se de frente para o pacote concluindo que era um quadro. O que era aquilo agora? A mente recém despertada ainda não tivera tempo para clarear o raciocínio, por isso ficou ali sentado com seus pensamentos confusos. E ela, onde estava?
        Conferiu a nota com diligência, e minutos depois telefonava para a galeria de arte. Mas nada conseguiu esclarecer além daquilo que já sabia, o nome da galeria de onde o quadro tinha saído e o endereço onde deveria ser entregue.
        Ligou para ela, mas como vinha acontecendo a algum tempo, seu telefone estava fora de área ou desligado. Sentiu raiva dela, dele mesmo e de como a vida estava se desenrolando, mas, sobretudo, sentiu ciúmes de Murilo. Estava perdendo terreno para ele, pois ele começava a adentrar no seu território! Precisava agilizar a conclusão da obra na casa dele para colocar um fim naquela desordem. E se aquele dragão surgisse novamente lhe daria um soco; não aceitaria dividir a mulher amada nem com um dragão!
        Quando seu telefone tocou correu para atender, mas era Jalou avisando-o de que estava a sua espera no final do dia.
         Andava contrariado fazia um tempo. Parecia que nunca estava no lugar certo, combinado ou previsto, porque os desencontros se sucediam. Mas era um guerreiro, tinha habilidades para vencer aquele combate e estava se habituando com aqueles ataques inesperados. Ensaiou um sorriso de triunfo, antevendo a derrota do invasor; um homem prevenido valia por dois.
        Minutos mais tarde estava pronto para correr para o campo de batalha, mas antes de deixar seu quartel deu uma banana com a mão direita para o quadro ainda embalado e encostado na parede da sala.
        Salamandra entrou em casa e recuou ao se deparar com aquele embrulho. Pegou o papel sobre a mesa e entendeu do que se tratava; Murilo lhe enviara um presente. Dentre tantas telas escolhidas por ela para decorar sua nova casa, ele lhe oferecia a mais bela de todas!
        Aquele gesto carinhoso encheu seu coração de alegria, porque aquele era um ato de devoção sincero que ela apreciava. Mas naquele momento de sua vida não podia aceitar manifestações de adoração como aquela. E para evitar um conflito com Miloch, ligou para a galeria, devolvendo a obra ao seu comprador.
        Como sempre, estava do lado dele mais do que ele poderia supor.
        Abriu um vinho para esquecer as asperezas do mundo e encheu a banheira. Apreciava a sensação do corpo envolvido pelo calor da água e os sais proporcionavam uma sensação gostosa de relaxamento e bem-estar depois de um dia estressante. Sentiu o aroma delicioso de flores e ervas, e fechou os olhos. Quando meia hora depois saiu da banheira sentiu sua pele limpa, hidratada e perfumada. Estava quase pronta para Miloch.
        Miloch correu para cumprir sua agenda de trabalho porque queria estar em casa antes dela. Queria ver a expressão de seu rosto ao deparar com a tela, e sua reação espontânea à ela. Porque uma pessoa despreparada, reagia sem pensar, revelando a verdade.
       Abriu a porta do apartamento, mas quando não viu o pacote onde o deixara, quedou-se inerte. E se sentiu ridículo quando ela, saindo do quarto, disse-lhe:
          - Não te esperava tão cedo.
          Sentiu seu perfume e quase fraquejou. Mas lembrou-se a tempo do porquê ter chegado em casa mais cedo.
           - Onde está o pacote que deixei aqui? – perguntou, encarando-a.
           - A galeria entrou em contato avisando do erro no endereço de entrega, e vieram buscá-lo. – explicou, dando-lhe as costas: - Quer uma taça de vinho?
          Ele desconfiou que ela estava mentindo, mas decidiu encerrar o assunto.
          - Mais tarde, porquê agora preciso encontrar um cliente.
          Foi a vez dela olhá-lo com uma certa desconfiança, para em seguida concluir que ele estava mentindo.
           Sentou-se na varanda, tentando acalmar sua alma alvoroçada. O que estava acontecendo com ela? Afinal, que desassossego era aquele? E essa inquietude disparou quando ele se aproximou, se despedindo. E ouviu a porta se fechar.
         Miloch estava sendo corroído por um ciúme medonho, que o privava da razão, e enfraquecia por completo a confiança que tinha nela. Sua visão estaria deturpada, e por isso não conseguia perceber que eram falsas as suas impressões? Cada vez mais concluía menos, e as bases do mundo pareciam ruir silenciosamente, ininterruptamente.
          Desceu do carro indo ao encontro de Jalou.

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