Capítulo 88

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Margot nunca se sentira tão empolgada, seu querido irmão acabara de confirmar sua presença na sua festa e acompanhado de uma mulher.
Ah, torcia tanto para que ele encontrasse a pessoa que seria seu porto seguro quando estivesse em terra firme, porquê assim ele atracaria mais vezes naquele cais.
Não podia negar que adorava vê-lo cair do céu no mar, e deslizar sobre as águas como uma gaivota precisa e vitoriosa, para em seguida desaparecer e ressurgir da água espumosa como se Netuno fosse. Mais também queria muito tê-lo próximo de si mais vezes. Ah, amava muito seu irmão, única herança que seus pais lhe deixaram. 
Mas, naquele dia em especial não tinha tempo para reflexões sobre qualquer outra coisa que não fosse a festa. Corria de um lado para o outro atenta aos preparativos, mas, a bem da verdade, estava mais preocupada com sua endumentária do que com o buffet ou a decoração, afinal, era ela a noiva, a personagem principal.
Sentia-se a Cinderela hodierna, com uma diferença, saíra acompanhada do baile na casa de Murilo pelo príncipe encantado.
Desde aquela noite passara a morar com Théo. Não que ele tivesse oficializado um convite neste sentido, mas ela foi ficando. É que ele a cobria de mimos, dos mais simples aos mais sofisticados sem pedir nada em troca, e nem mesmo quando começou a fazer mudanças na casa para torná-la mais familiar, ele pediu explicações.
Seria tudo perfeito se não fossem os gemidos femininos noite adentro que não a deixavam dormir. Às vezes, era até obrigada a esmurrar a parede para silenciar os folguedos. Não que esse entra e sai de mulheres no quarto ao lado a incomodasse, já estava até acostumada, só queria mesmo era dormir.
Mas uma alteração nessa rotina fez soar o alarme; é que apesar das madrugadas agitadas, no dia seguinte, quando acordava, já não haviam vestígios da esbórnia anterior, e voltava a reinar absoluta no castelo.
Mas, certa manhã, uma mulher entrou na cozinha e ao vê-la, sorriu um sorriso de bolo recheado e disse:
- Bom dia! Você dever ser Margot. Prazer! Só vim beber água, já estou de saída. - Da porta, se virou e disse:
- Seu tio ainda está dormindo.
Margot sentiu o sangue fugir-lhe das veias, para subir à cabeça. Espatifou no chão o copo onde ela havia deixado uma marca de baton, e quando ia começar a quebrar outros, ouviu Théo perguntar, entrando na cozinha: 
- Está tudo bem, mon chéri?
Olhou para ele com um brilho de faca nos olhos, mas, respondeu simulando um sorrindo tranquilo:
- O copo escorregou das minhas mãos...
Mas por dentro Margot ardia em chamas! Quer dizer que aquele velho descarado andava espalhando por aí que ela era sua sobrinha?
Depois dessa manhã, outras noites se seguiram, cada vez mais frequentes, mas com a mesma protagonista sedenta. E nas noites que antecediam o encontro matutino, por mais que batesse na parede a orgia no quarto ao lado não dava uma trégua. E suas noites insones se tornaram uma tortura pródiga em imaginação, ao ponto de colar o ouvido na parede para entender o que balbuciavam e, pior, de espiar no buraco da fechadura do quarto dele para ver o que faziam. Ah, o que estava acontecendo com ela?
E foi aí que sua tolerância se esgotou e decidiu por ordem na casa. Numa manhã, encarou a mulher maldormida e negou-lhe água, dizendo:
- Chispa daqui e não volte mais. - E a fulminou com os olhos para que não restassem dúvidas de quem mandava ali.
Em seguida viu Théo entrar na cozinha, e odiou sua cara de homem dono do mundo. E disse antes de sair da cozinha:
- A partir de hoje nenhuma mulher vai entrar aqui para satisfazer seu ego decadente de macho.
E ouviu Theo dizer, com toda a sabedoria de um homem para quem as mulheres valiam pelo que causavam nele:
- Então tá...
E a partir desse dia Theo passou a dormir fora de casa. 
A emenda foi pior que o soneto, porque a indiferença dele só fez crescer nela o despeito, e com ele o desejo de experimentar o que passara a imaginar com os gemidos de outras mulheres. E numa noite, não contendo mais a curiosidade e antes que ele saísse de casa, entrou no quarto dele:
- Eu quero que você faça comigo o que faz com elas...
Théo a analisou sem pressa, afinal, sexo era um prazer muito passageiro para trocá-lo pelo o que ela lhe fazia sentir. Margot despertara nele uma faceta que julgara adormecida e não sabia se deveria ou não invadir esse limite entre a eterna magia ou a realização dela. Porquê o libido inesgotável que extravasava com outras tinha origem nela, que agora exigia o que lhe pertencia sem o saber.
        Mas era um homem e acabou por ceder àquilo que fazia um bom tempo desejava, e disse, puxando Margot para si e virando-a para a parede:
- Ton désir est mon meilleur plaisir.
Todos assumem papéis que representam como personagens e desenvolvem comportamentos que se revelam como adequados às circunstâncias. Ela vinha oferecendo ao mundo uma persona atrás da qual sua alma se mascarava. Mas um sentimento brotara dentro de si e seu coração agora mais purificado conseguia encontrar em Theo o amor que sempre buscara num homem.
E o brilho nos olhos dele era a ribalta privada de que necessitava para se apresentar e não mais encenar uma vida de faz de conta. E entrou em cena esquecendo-se da atriz para viver seu personagem preferido, ela mesma. E ao final, riu o sorriso que só as mulheres realizadas tinham.
E agora estava preste a se tornar a única mulher daquele marujo safado. É, Théo era o homem feito sob medida para ela! O tempo tinha uma forma maravilhosa de mostrar o que realmente importava.
Um empregado serviu-lhe uma taça de Champagne, que tomou de uma vez; os velhos tempos de penúria haviam cessado!
Antes de afastar-se, o elegante rapaz perguntou-lhe se desejava mais alguma coisa, porquê estava ali para servi-la.
Margot o encarou por um breve instante antes de pedir:
- Pode me ajudar a escolher o que vestir hoje?

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