➤ Quem ele é

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Tá comentando, vida?

Tá comentando, vida?

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CARTER

Eu não tenho cinco anos de idade e mesmo assim parece que estou presa num cativeiro, num cercadinho. Eu só queria ver a porra das fotos, ver o que falariam de mim, ver se sabiam onde eu estou ou se alguém está me procurando. Ver se alguém lamentou a morte dos Carter. Me tranco no meu novo quarto como a filha rebelde, com direito de bater a porta e gritar contra o travesseiro até perder a voz. Aquela garota não tinha o direito... não tem! Por que palavras de uma estranha me machucariam depois do que eu vivi? Não, eu não consigo ver eles fazendo isso como algo para me prevenir.

Eles acham que eu sou uma bomba prestes a explodir e, agindo assim, eu me sinto assim. Eu vou reagir assim.

Agora eu nem tenho como ir embora. Para meu próprio bem... que piada. Não é como se eles soubessem como é, não perderam a família toda da noite para o dia. Eu estou com tanta raiva que nem sei como administrar, meu corpo todo treme, me sinto cheia de energia, mas fico parada, o mais parada possível, deitada de bruços nessa nova cama de solteiro com uma coberta roxa e fina sob meu corpo. Olho a decoração, tem uma parede pintada de preto e as outras sem cor, um beje salpicado de branco, sem graça, um guarda roupa marrom escuro perto da porta, pequeno e antigo, algumas caixas de papelão empilhadas do seu lado. Devem ter levado grande parte das coisas para o porão. Lembro-me previamente da janela de saída que George me mostrou lá em cima, mas a menos que eu queria me matar já que a distância desse telhado para o do vizinho é bem grande, eu não posso fazer muita coisa.

Eu penso em como as coisas estão e como foram também. Eu penso em George porque é ele que me vem na mente. Lembro dele dormindo comigo, lembro dele me dando seus chicletes favoritos, lembro dele me beijando e do deleite que seu carinho me proporciona.

Eu quero chorar porque eu não tenho ninguém para falar sobre ele. Isso me magoa de um jeito descomunal. Meu irmão era meu melhor amigo, mas eu falaria disso com minha mãe porque Fabian ainda estava na fase "meninas são nojentas, beijos? Eca". Minhas lágrimas vão para o travesseiro e eu o abraço com força porque queria que fosse meu pai ali.

Eu só queria saber se alguém se importou, como eles retrataram minha família. Como qualquer outra, aposto. Apenas nomes e rostos, eles não foram nada além de uma matéria.

Que palavras usaram? Sangue ruim? Aquela inseta da Rita Skeeter os descreveu como? Falou que meu pai dava aulas de piano? Falou que minha mãe dançava balé como ninguém? Falou que Fabian gostava muito de ler e estava chegando ao seu centésimo livro? Que porra eles sabem da minha família para falarem deles? Eles não tem o direito!

A raiva enche meu peito e minha respiração e acelera. Há uma janela pequena ao lado da minha cama, e enquanto presto atenção no apto incessante dos meus ouvidos, ouço ao fundo também algo se trincando. Eu olho para a janela e vejo o vidro rachando como se estivesse sob pressão. Eu quero destruir alguma coisa e me concentro nele. As rachaduras se espalham por todo o vidro e algumas pequenas lascas escapam, sem aguentar. Cerro os punhos com força e não existe mais nem um centimetro da janela sem rachadura. Eu me levanto e vou até a mesma. Me identifico com aquele material completamente danificado. Ele não tem conserto. Lentamente, ergo a mão e o toco mais suavemente possível, sei que ele vai se desmanchar sob meu toque, e talvez eu queira que isso aconteça. Quero que ele desabe e me corte, quero que haja uma ferida fatal. Eu quero morrer, mas não quero sentir dor.

Eu só preciso que tudo acabe, mas, como sou medrosa demais para isso, recuo com a mão. Fico encarando a merda que fiz até que vêm batidas na porta e alguém entra, nem preciso olhar para saber que esse alguém é George. Me sinto pior ainda.

Ele não tem culpa se minha vida está uma merda, por isso, eu me mantenho de costas para ele e calada conforme seus passos fazem o piso ranger, ele para do meu lado e encara a janela quebrada, não me julga por vandalizar sua casa, apenas fica ali, comigo. Tem lágrimas escorrendo pelo meu rosto, e eu cerro os punhos com tanta força que chega a doer.

— Me desculpa— ele diz. Não, não é culpa sua, eu deveria dizer, eu não estou chateada com você, Georgie, mas sim com o resto do mundo. Eu estou apavorada, frustrada, irritada, magoada, mas não com você...

Demoro tempo demais para lhe dar uma resposta, que George me olha e eu viro o rosto fecho os olhos com força tentando me conter, quero lhe pedir desculpas também por estar chorando de novo, mas se eu falar com esse humor, nós vamos brigar e eu não quero ser injusta com ele. George suspira e espera por um, dois segundos. Quando sinto que ele vai me deixar sozinha, meu primeiro instinto é agarrar seu pulso antes que ele parta. Estou farta de muita coisa, mas não de você. Por que é que não lê minha mente agora?

O ruivo para e eu não sei se ele me olha, não o encaro para ter certeza, apenas o puxo de volta para o meu lado. Ele cola seu ombro no meu e eu seguro sua mão com força. Me protege, me salva, por favor. Eu realmente não queria lhe fazer esse peso, mas eu preciso de você. Eu tenho tanto medo da morte.

— Me desculpa, eu não queria ter feito aquelas coisas.— eu falo com a voz terrivelmente embargada.

Eu não sou assim, eu só me perdi.

— Está tudo bem.— ele diz e me puxa para um abraço que eu retribuo imediatamente. Tudo dói tanto.

George me coloca sob sua asa e faz carinho na minha cabeça até que eu pare de tremer. Deve ser sua vigésima camisa que eu molho com minhas lágrimas.

Eu falaria que o amo, mas não quero que ele me interprete errado. Não o amo só porque estou apaixonada por ele, só porque o beijei e foi a melhor coisa que me aconteceu em muito tempo, mas o amo por quem ele é. George é acolhedor e protetor, ele quer que você se sinta bem, ele sabe o que fazer, te faz rir, mas sabe quando te deixar chorar. Eu o amo e sou grata porque ele me estendeu a mão. Eu o amo e sou grata porque ele existe.

George beija o topo da minha cabeça, passa a mão nas minhas costas, esfregando-as como que para me aquecer, brinca com minhas tranças e passa a mão na minha bochecha desenhando a linha grotesca da minha cicatriz, quando estou mais calma, ele cantarola baixinho uma música de ninar que não reconheço porque deve ser bruxa, minha mãe só me deixa escutar música de trouxas, não que tenha preconceito  diz ela, mas as letras não fazem sentido para ela...

Perdão, deixe-me me corrigir, me deixava, tivesse, dizia, faziam.

— Você é como o sol, George— murmuro com a voz embargada, ele para de cantarolar para me ouvir melhor. A maior estrela do meu sistema, eu diria, mas não disse. Não expliquei nada e ele não forçou nada. Eu amo George Weasley. Em todo e cada sentido da palavra— Obrigada.

HUMAN, George WeasleyOnde histórias criam vida. Descubra agora