➤ À luz do dia

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A cama está tão quente e confortável

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A cama está tão quente e confortável. O cheiro de George está por todo lado, menta, café e chuva. Acordo pois há um barulho de porta batendo, me sento de uma vez na cama, olhando ao redor, confusa.

O ruivo está vestido de terno e faz careta de culpado ao me ver desperta.

— Desculpa, não queria te acordar, é que tenho que ir para a loja, não confio no Fred sozinho lá— ele fala, como se me devesse qualquer explicação.

— Ah, tudo bem— falo, meio sonolenta, volto a me deitar, mas minha mente me recorda— Espera, eu vou ficar sozinha?

— Só por umas horas— George confirma, balançando a cabeça, ele quer ir, está pronto, é óbvio, mas hesita por mim— Te incomoda?

Ele não consegue esconder o que seu olhar grita: por favor, diz que não!

— Não, claro que não— garanto, forçando um sorriso— Vá manter a ordem na casa.

— Hã, está bem.— ele não se move— Amanhã minha mãe virá aqui com Angelina e Katie para fazerem uma limpa no quarto e trazerem mais coisas para você— ele enrola— eu e Fred vamos ficar fora o dia inteiro, os sábados são mais agitados, mas eu prometo te trazer algo.

— Não precisa, George— balanço a cabeça.

Ele sorri.

— Só não garanto que não vá ter nenhuma gracinha— ele mexe os dedos como que para dar ênfase ao mistério e eu sorrio— Te vejo mais tarde, linda, tem comida pronta, pode mexer nos meus livros— ele aponta para meu rosto— desde que não os manche— ele arregala os olhos para mim. Balanço a cabeça concordando. Ele desaparata na minha frente.

Encaro o lugar onde ele estava e respiro fundo sentindo a tensão chegando para endurecer meus ombros.

Volto a me deitar e afundo a cara no travesseiro, cobrindo-me dos pés a cabeça. Eu odeio saber que estou sozinha, e me requer muito tempo me remexendo na cama para conseguir achar uma posição minimamente confortável para voltar a dormir, está claro na janela ao lado da cama, a casa toda está silenciosa, me contenho para não pensar demais, para não voltar no tempo porque eu não quero voltar a chorar, fui voltar a conseguir respirar de novo pelo nariz há pouco.

Mas logo porque eu estou tentando não pensar, é que eu acabo pensando mais ainda.

Eu penso nos meus pais, o calor da cama de George me lembra o calor das tardes de domingo que passamos na sala de estar. Nos cobríamos no sofá e ficávamos juntinhos. Minha mãe preparava pipoca e meu pai escolhia o filme.

Eu ficava sentada no meio, meu pai sempre à minha direita e minha mãe à minha esquerda. Fabian se deitava em nossos colos.

Ele é um garoto baixo. Era. Eu fazia cócegas em sua barriga, as pernas ficavam no colo da minha mãe e ele deitava a cabeça no peito do meu pai. Eu tinha que segurá-lo para que ele não caísse do sofá enquanto segurava o balde de pipoca.

A harmônia durava pouco menos que uma hora, depois nós começávamos a empurrá-lo para o chão, onde ele ficava até o fim do filme.

Eu tentava apoiar os pés nele e ele me batia, me arranhava. Eu estou sorrindo, mas nunca estive tão triste.

Meu pestinha jamais vai crescer. Não vai beijar ninguém, não vai mais rir das piadas ruins do meu pai que eu sempre duvidei que ele sequer tenha entendido. Não vai mais vir dormir comigo no meio da noite porque teve um pesadelo.

Meu pai não vai mais puxar minha mãe para uma dança em frente a lareira quando estiver nevando do lado de fora para lembrá-la do dia em que se conheceram no Caldeirão Furado. Ele não vai mais dizer que me ama e o quanto está orgulhoso de mim.

Minha mãe não vai mais atuar para tirar a tristeza do meu irmão porque ele amava quando ela fazia mímicas. Ela não vai mais me ensinar a tocar piano, nem me puxar para o melhor abraço do mundo mesmo quando eu acho que não preciso.

Eu preciso dele agora. Eu preciso de minha família agora, mas não posso os ter. Sem pensar nem por um momento no perigo, eu desejo tanto, com tanta força, estar em casa que acabo desaparatando.

Trago a coberta comigo. Eu sinto a mudança de clima e a minha queda é brusca, o frio me agarra e o cheiro de madeira queimada penetra minhas narinas. Meus olhos estão fechados, eu estou com muito medo de abri-los.

Estou encolhida no chão, há barulho de porta rangendo e o vento vem agressivamente para cima de mim, entrando pelas frestas da coberta e me fazendo arrepiar.

Eu abro os olhos, ofegante, meu coração bate forte, desesperado. Eu me sento, estou no chão do meu quarto. Eu só reconheço porque há algumas das minhas roupas no chão, queimadas, rasgadas. Meu quarto está preto e cinza, antes suas paredes eram brancas.

Eles tocaram fogo na minha casa. Eu me levanto, todo meu corpo se arrepia e eu deixo a coberta dos Weasley no chão. As gavetas e portas do meu armário estão escancaradas, tudo meu está quebrado, queimado ou manchado. Minha cama está sem o colchão. As mesas de cabeceira estão abertas e tombadas. Sei que é completanente inútil, mas procuro desesperadamente pela minha varinha.

Eu sei que não vou encontrar a maldita varinha mas eu procuro. Reviro todo o quarto porque eu estou com medo de sair dele, estou com medo de ver o resto da casa. O que me restou; as cinzas. Apenas cinzas.

Me ajoelho sobre as minhas roupas e algo machuca meu joelho. Tiro as roupas de cima e pego o ítem. Era onde eu guardava minha mesada. Um porquinho rosa pequeno e de plástico, eu preciso das duas mãos para erguê-lo. Sempre guardei cada galeão meu. Me surpreende que ao menos isso esteja intacto. Eu me levanto, estendo a coberta dos Weasley's no chão e coloco o que está menos prejudicado nela.

Ou seja, meu cofrinho, duas calças, setes roupas íntimas e uma blusa de frio. Respiro fundo e me levanto, fazendo uma trouxa com a coberta. Vou carregar tudo o que conseguir e segurar o choro enquanto puder. No andar de cima, pelo menos.

Mesmo daqui, consigo sentir o cheiro da morte.

HUMAN, George WeasleyOnde histórias criam vida. Descubra agora