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Carmem;

Observei o Pedaço andando de um lado para o outro, o som dos tiros pela comunidade cada vez mais frequentes.. parece que não vai acabar nunca. Já são seis horas de tiroteio e a polícia não desisti, mesmo não conseguindo subir a comunidade e tendo dificuldade em lidar com a tropa que tá lá embaixo, eles não desistem.

Carmem: Amor.. - Chamei por ele que parou me olhando e eu neguei. - Saí de perto dessa janela, por favor.. Ou melhor, vem aqui comigo.

Bati no lado vazio da cama. Ele olhou a cortina fechada escondendo a vista através da janela, ouvi ele bufar e aí sim ele veio andando devagar. Me mexi indo um pouquinho mais para o lado dando mais espaço para ele, fiz careta sentindo uma leve contração, tão leve que passou em questão de segundos. O trabalho de parto é uma burocracia enorme, podia ser bem tudo de uma vez mas ele começa e pode levar dias até a hora do parto em si.

Pedaço: Tu ainda tá com dor? - Neguei sorrindo fraco e ele esticou a mão até a minha barriga. - Eai pivete, tranquilo aí dentro? Ajuda o papai e fica aí no forno, pô, não é hora pra tu inventar graça não..

Carmem: Tá muito feio? - Perguntei com receio e ele ficou quieto. Deitou a cabeça no meu ombro e se esticou na cama, com a mão ainda na minha barriga. - Eu quero saber. Não fica me ignorando e fingindo que lá fora não está um caos, só quero saber o que realmente tem lá fora e te preocupa tanto.

Pedaço: O que me preocupa não tá lá fora, tá aqui. Tu e o Jorge. - Acariciou com os dedos a minha barriga. - E pô, tu não tem que ficar se preocupando com o que tá rolando lá fora, tu tem que descansar e ficar preparada pra qualquer coisa..

Carmem: É a porra da família do Brown, não é? O pai, o tio, os irmãos.. - Perguntei e ele se afastou de mim, rolando pro outro lado e colocando as mãos no rosto. - Ele avisou que eles vinham. Nós sabíamos que uma hora ou outra isso ia acontecer, só não tô entendendo porque você não me disse  isso de uma vez. Poxa, tu disse que era uma operação pequena e que iam dar conta, mas já fazem mais de seis horas que isso tá acontecendo e não vai acabar tão cedo..

Pedaço: Carmem, caralho, dá pra tu ficar quieta?! Porra.. É a família dele lá fora mermo e tu sabendo ou não disso, não muda porra nenhuma. - Tirou as mãos do rosto e sentou na cama alterado. - Eu menti porque tu não pode ficar passando estresse, se preocupando com essas merdas. Pô, tu tá em trabalho de parto já tem dois dias e a última coisa que nós dois precisamos, é do Jorge nascendo no meio dessa porra toda. Só que tu nunca me escuta, fica insistindo nas paradas e quer que seja tudo do teu jeito.

É a primeira vez que ele grita comigo.. e eu não sei bem como reagir. É normal para mim mas ao mesmo tempo muito estranho. Meus dedos formigam com a vontade de fechar minhas mãos e apertar as unhas contra minha pele.

Carmem: Eu só queria saber, Pedaço, só isso. - Falei um pouco baixo e entrelaçei minhas mãos entre si. Evitando olhar para ele. - Desculpa.

Pedaço: Tu vai mermo querer pesar minha consciência agora? - Me olhou e eu neguei, abrindo a boca para tentar explicar e ele não deixou. - Quem tá ali embaixo é a civil, que não é porra nenhuma e tá segurando com tudo o que pode, sabe porque? Por que a BOPE e o exército vão entrar a qualquer hora. Os filhos da puta vão entrar aqui pra tomar a Penha, Carmem, a minha casa caralho! Minha favela! - Deu um soco no colchão e depois esfregou a barba feita, eu apenas observei em silêncio. - O Jorge pode nascer e eu quero ver isso, quero pra caralho.. Se eu precisar descer pra trocar tiro, defender meu império e manter tu segura, eu vou fazer. E tu não vai me impedir, tá ouvindo bem? Nem que eu te amarre nessa cama até essa porra acabar, eu vou fazer o impossível pro meu filho nascer em segurança. Quando isso acontecer eu vou estar aqui, do teu lado, te prometo! Mas antes eu vou manter a Penha em pé.

Fiéis Amantes - [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora