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Pedaço;Olhei o Brown passar pela terceira vez pela rua, dessa vez dirigindo igual um maluco. Se pega alguém, pô, era uma vez, morte na certa.
Meia hora atrás, ele passou aqui e parou lá na farmácia. Pedi pra uns moleques me informarem, depois ela passou de volta provavelmente voltando para casa. E agora passou de novo, igual um maluco. Provavelmente já não volta mais, sei que ele tem uma missão fora do Rio hoje de manhã.
Passei a bandoleira do fuzil e ajeitei ele nas minhas costas, lembrando do que a Giane falou. Acho que Carmem tá gravidinha, e acho que o problema é o Brown. Levantei da cadeira e olhei no relógio, meia noite e dez. Não sei não em caralho, essa ideia da Carmem grávida e o problema ser o Brown, ficou a noite inteira martelando minha cabeça.
Assobiei para o Gateu e dei sinal de que tava saindo. Tem coisa errada, pô, e eu vou verificar essa porra agora.
Pedaço: Me cobre aí, eu já volto. - Gritei e destravei o carro clicando no botão da chave.
Abri a porta e abri tirando o fuzil com a outra mão, joguei ele no banco do passageiro e fechei a porta. Liguei o carro com a chave e dei uma acelerada, jogando o carro para o outro lado da rua e dando a ré, acelerei outra vez virando com ele na direção da casa deles. Pisei fundo no acelerador e vi o Gateu mostrando o dedo do meio, antes de eu sumir na rua.
***
Passei na frente da casa e o portão tava aberto, os dois caras da contenção ali na frente conversando. Pareceu estar tudo tranquilo, desacelerei e parei com carro na frente deles.
Pedaço: Carmem, tá por aí? - Perguntei colocando a cabeça um pouco para fora da janela, segurando o volante ainda.
Sabiá: Não tem ninguém, patrão. Cheguei agora e o mano falou que rolou uma discussão feia lá dentro. - Se aproximou falando e eu respirei fundo. - Brown saiu tem uns minutos, a Carminha saiu agora mermo. Pediu pra ficar sozinha, transtornada.. O mano deixou ela ir.
Olhei para o moleque ali atrás e bufei, serve pra porra nenhuma um filho da puta desse.
Pedaço: Tranquilo, se ver ela me aciona. - Ele concordou se afastando, apontei olhando pro outro lá atrás. - Tu recebe ordem minha e do Tião, de mais ninguém seu pau no cu. Se liga caralho.
Não deixei ele responder e saí, dirigindo com mais calma. Procurando a Carmem pelas ruas, várias coisas passando na minha mente e na moral, esse filho da puta deve ter feito alguma parada. Eu tô sentindo, pô. Espreitei os olhos vendo ela subir uma rua que leva na casa da mulher do meu tio.
Diminui a velocidade e buzinei. Carmem virou a cabeça olhando para o carro e eu fui parando ele aos poucos, de longe vi os olhos inchados e o rosto vermelho. Apertei o volante já sentindo meu sangue ferver, parei o carro do lado dela e respirei fundo.
Carmem: O que foi agora, porra? Eu não sou babá da tua mulher. - Falou estressada e com a voz rouca, de quem tinha chorado.
Olhei para a sacola na mão dela e a mão avermelhada, a outra do lado do corpo fechada. Parecia estar apertando ela com força..
Pedaço: Entra. - Falei sério e ela ficou parada na calçada, me olhando. - Carmem, entra!
Ela ficou ali parada um tempo, olhando para mim e depois em volta, então deu a volta pela frente do carro e entrou batendo a porta. Fechei o vidro da minha janela e me virei um pouco no banco.
Pedaço: O que aconteceu? - Perguntei batendo os dedos no volante.
A Carmem virou um pouco a cabeça olhando pra frente e respirou fundo, esfregando as mãos nas coxas. Fiquei quieto e observando, com uma agonia do caralho por ver ela dessa maneira. Eu cresci com ela, pô, sei bem quando ela não tá bem.
Carmem: Pensa muito nelas? - Perguntou com a voz falha, parando de esfregar as mãos e me olhando, virando um pouco a cabeça. - Na minha mãe e na sua mãe..
Desviei o olhar para o painel do carro e concordei, esse assunto pô, é complicado pra nós dois. E eu e ela nunca falamos disso, nunca mermo. Passei a mão no meu cavanhaque e olhei para ela, concordando de novo.
Pedaço: Quase sempre. Mas eu tento evitar, pô, porque na maioria das vezes é repassando aquele dia. São anos repassando essa merda na minha mente todos os dias, a cada segundo.. - Suspirei. - E tu?
Carmem: Não tem um dia em que eu não pense. Ainda dói.. Meu pai e elas sempre foram minha base, tu sabe, e acho que até hoje eu não me conformo. - Passou a mão no olho. - Queria que elas estivessem aqui porque.. tudo ia ser diferente.
Pedaço: Caralho, a gente nunca falou disso.. - Ela deu uma risada baixa. - Eu nunca falei desse dia com ninguém, nunca gostei de ficar revivendo.
Uma lágrima correu no rosto dela e ela respirou fundo.
Carmem: Também não.. E eu nunca te agradeci pelo o que fez. - Balancei minha cabeça negativamente, não queria ouvir mas ela teimou continuando a falar. - Por não ter deixado eu ver o que tinha rolado.. Por ter se trancado comigo e tocado violão, pedindo para mim cantar.. Eu demorei pra entender que você não tinha chorado porque minha voz era linda. - Deu outra risada. - Dois anos.
Acabei rindo e negando. Ela tinha seis anos e eu quinze, quando mataram minha mãe e a mãe dela, juntas. Nós dois estávamos no quarto e eu tentava ensinar ela a tocar violão, na época eu já andava armado mas não deu tempo, eu ouvi os disparos e falei para ela não sair, quando cheguei na sala as duas já estavam mortas.. Papo reto, foi a pior sensação da minha vida.
Os moleques que cuidavam da segurança apareceram logo depois de mim, não tinha mais o que fazer. Então eu voltei pro quarto, distrai a Carmem para ela não sair e ver o que eu vi. Foi uma das últimas vezes que conversei com ela.
Pedaço: Tu ainda canta? - Perguntei tentando mudar de assunto.
Carmem: Às vezes.. - Encostou a cabeça no vidro da janela. Ouvi ela fungar e o soluço baixo.
Eu ia perguntar o que tinha acontecido, outra vez, mas eu reparei na mancha grande e vermelha pra caralho.. Me inclinei por cima do banco e afastei o cabelo dela, rápido. Ela virou empurrando minha mão e eu segurei o braço, olhei pro pulso dela e reparei em outra marca.
Olhei pro rosto assustado dela e bufei, soltei o braço dela e me virei socando o volante.
Pedaço: Eu sabia, porra, eu sabia! - Falei comigo mesmo e virei para ela. - Porque tu não contou, caralho?!
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Fiéis Amantes - [M]
Romance"Lua cheia no morro, invictos no jogo não fugimos da guerra. Mais cedo ou mais tarde, exigindo liberdade, o olhar de maldade é o extinto selvagem". Uma alma quebrada, um coração partido e um corpo mutilado. Apenas o amor, é capaz de construir e reco...