capítulo dezessete - espero que ela não esqueça

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Geovana

Meu pai tava aqui resolvendo as coisas do outro morro dele, como sempre. Fernanda provavelmente estava no quarto dela e eu tô no meu, moramos na mesma casa mas não nos vemos, não com tanta frequência, o que é estranho, mas já tô acostumada.

Bg me chamou pra ir nesse churrasco e eu ainda tô pensando se seria uma boa ideia ir mesmo já que desde o último dia que vi ele, Fernanda, obviamente a melhor irmã de todas se certificou que eu tivesse inseguranças sobre isso.

Eu não era de ficar com ninguém assim, mas pela primeira vez fiquei sem pensar nas consequências e agradeço por isso. Só não sei se ele realmente só se interessou de mim porque eu sou eu, ou porque não teve minha irmã. Talvez é um maneira de tentar atingir ela, o que ela merece por ter um ego do tamanho do mundo.

Eu pensava isso quando nos falamos pela primeira vez, mas percebi a pessoa legal que ele é, então não sei, desconfio, mas acho que ele não seria capaz de fazer isso por uma pessoa que só tentou humilhar ele de todas as maneiras.

Desci as escadas e percebi que meu pai chegou da rua, vi a Fernanda sorrindo e olhando pra ele que deu um tapinha na testa dela, se afastando aos poucos. Fiquei parada vendo aquilo, não senti nada, apenas achei... incomum.

Era estranho ver a Fernanda sorrindo, ela nunca fazia isso pra ninguém, ainda mais pro meu pai que vivia brigando com ela por causa desse jeito de tratar os outros e ela ainda achava que era por mim. Meu pai me olhou sorrindo e eu tirei o cabelo do rosto, vendo ele olhar pra nós duas ao mesmo tempo.

Mas durou um segundo até ela me olhar e fechar totalmente a cara, meu pai levantou a cabeça e me encarou, me fazendo respirar fundo e passar a mão no rosto.

CB: Pô, papo reto... Só queria vocês juntas de novo, sem esse bagulho de briga o tempo todo.- Ele falou baixo e negou com a cabeça, respirei fundo e fiquei calada, sentando na escada.

Fernanda: Eu não brigo com ninguém.- Olhei pra ela que falou na maior cara de pau e arqueei a sobrancelha, meu pai olhou pra ela também e eu soltei uma risada pela nossa sincronia.

CB: Qual foi, dá pra vocês conversar suave, cara? Minhas filhas porra, sério isso?! - Eu não queria conversar com a Fernanda, não agora. Ela já me machucou muito e eu tenho todo direito do mundo de não querer isso.

Só meu pai não vê o quão narcisista ela é, talvez ele até perceba, mas não fala nada porque acha que seria melhor assim. Não falei nada e ele ficou me olhando.

Geovana: Não dá, pai. Enquanto ela continuar agindo desse jeito comigo, vou continuar longe disso - Apontei pra nós e ele fez uma expressão de deboche.

CB: Mas tu também tem que tentar, Geovana.- Murmurou e eu fiquei encarando ele sem acreditar que tô escutando isso.

Geovana: Pai, me desculpa por isso, mas o senhor quase não passou tempo com a gente depois da morte da nossa mãe, sei que tenta nos proteger da melhor maneira, mas estar ausente não adianta nada. Minha irmã é uma escrota? Sim, é mesmo, mas parte disso é por ter lidado com as dores sozinha, cada um lida com o luto do jeito que acha melhor.

CB: Mas eu tô aqui, papo reto, tô tentando ajudar vocês nisso...

Geovana: Tá tentando agora depois que aprendemos a lidar? E quando a gente mais precisou, não era aqui que o senhor estava, então, por favor, não tenta dizer que eu tento que tentar me reaproximar da minha irmã como tentei todos esses anos e só fui humilhada por isso - Falei com a voz baixa.- Eu tentei de todos os jeitos e ela só me batia todas as vezes, já me enforcou, me trancou em quarto pequeno, já fez tanta merda que não fiz questão de passar pro senhor, sabe por qual motivo? Porque eu não queria te preocupar e ver ela mal.

Depois disso, o silêncio simplesmente tomou conta da sala. Fernanda ficou me encarando com uma expressão diferente de minutos atrás e meu pai estava de cabeça baixa, olhando pro nada.

Fernanda: Você parece com a minha mãe, só isso.- Murmurou, com a voz rouca.- E eu te afasto por isso, porque nossa dor é parecida, mas você sabe que eu perdi a única coisa que eu tinha, já que meu pai sempre te tratou como favorita.

Isso era mentira, minha mãe ficava mais com a Fernanda, e eu por ser mais quieta, minha mãe não me dava tanta atenção. Meu pai sempre tentava me incluir nas coisas, mas parece que todos decidiram mudar por causa do luto.

Geovana: Você me batia e me humilha porque eu pareço com a minha mãe? - Perguntei querendo rir.- Eu nunca fui a favorita do pai, ele só tentava mostrar que eu era amada por alguém, já que você tinha minha mãe.

Fernanda: Mas eu queria ele! Sempre foi ele, mas meu pai nunca prestou atenção em mim - Ela gritou e eu neguei com a cabeça. Se a Fernanda chorasse, meu pai estava ali. Se respirasse errado, meu pai estava ali.

CB: Fernanda, para de gritar - Disse com a mão na cabeça.- E cara, nunca tive filha favorita, sempre fiquei no teu pé pra tudo, tua mãe que errou em dar mais assistência de uma pra outra.

Geovana: Não me admira você querer tudo que alguém tem, afinal, você é repleta de inveja e nem sei o motivo. Ninguém pode ter nada minimamente melhor que você, porque aí tu também quer - Neguei.- Eu nunca tive nada e até isso tu queria me tirar.

Fernanda: Inveja de você? Uma fodida sem amigos, não teve amor de mãe, é sozinha e nem aquele Bg te quer. Você só se fode na vida, Geovana, e ainda quer falar de inveja?

Eu estava cansada dela falar como queria comigo. Minha mente parou e eu fiz a única coisa que não queria, levantei e fui na direção dela no maior ódio, puxando o cabelo da Fernanda com toda força que eu tinha, enquanto batia no rosto dela.

Minha visão tava preta, eu não pensava em nada, só acabar com todo o deboche e maldade que tem nela. Senti uma mão gelada e tremendo sobre meus braços, puxei mais o cabelo dela que estava gritando e olhei pra cima, vendo meu pai me olhando assustado.

Eu não tinha visto nada, só sentia o que tava fazendo. Olhei pro rosto da Fernanda e ela estava com o rosto sangrando muito, olhei pro meu pai e ele nunca nem havia me olhado desse jeito e, nesse exato momento, me senti como a Fernanda.

Uma pessoa completamente vazia, repleta de ódio que faz tudo por impulso, que faz algo pra machucar os outros. Mas eu não me culpo por ter sentido tristeza pelo o que ela falou ou sequer ter reagido dessa maneira com ele, Fernanda fez por onde e eu sempre pedi pra parar com isso.

Não me arrependo de nada.

Meu pai me soltou e foi ajudar ela, não olhei mais pra eles, só corri pro meu quarto e peguei minha mochila, jogando várias roupas ali dentro, enquanto só pensava no churrasco que o Bg me convidou.

Minhas mãos estavam tremendo e eu com muita vontade de chorar, olhei da janela e vi o carro do meu pai saindo da frente da casa, ele estava levando ela pro hospital, tenho certeza. Todas as vezes que eu apanhei dela, ele não estava aqui, eu tive que limpar meus próprios machucados e ao mesmo tempo esconder eles.

Fechei a mochila após colocar várias roupas e liguei pro Bg que tocou duas vezes, até o amigo engraçado dele atender o celular no terceiro toque com um "e ai, gatinha do Bg" com uma voz totalmente arrastada, me fazendo rir enquanto eu só queria chorar.

Ela nunca mais vai me maltratar ou me bater de novo e espero que ela nunca esqueça do que eu fiz hoje, porque agora ela terá a Geovana que merece e sempre pediu.

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