Capítulo 18

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Não vejo Finnick de manhã. Fenty aparece antes do dia amanhecer, me entrega uma simples muda de roupa e me conduz até o telhado. Os últimos preparativos, incluindo a arrumação da minha roupa, serão feitos nas catacumbas que ficam abaixo da própria arena. Um aerodeslizador aparece do nada, e uma escada desliza para baixo. Coloco minhas mãos e pés nos degraus mais baixos e instantaneamente parece que fui congelada. Algum tipo de corrente me mantém grudada à escada enquanto sou erguida em segurança para dentro do veículo.

Fico na expectativa de me soltar da escada, mas ainda estou grudada quando uma mulher com um casaco branco se aproxima carregando uma seringa.

– Isso aqui é seu rastreador, Malia. Se você ficar bem imóvel eu o injetarei de forma rápida e eficiente – diz ela.

Imóvel? Sou um estátua. Mas isso não me impede de sentir uma picada dolorosa quando a agulha insere o dispositivo metálico em meu antebraço. Agora os Idealizadores dos Jogos sempre poderão rastrear minha posição na arena. Eles não ficariam felizes em perder algum tributo, não é mesmo?

Assim que o rastreador está no lugar, a escada me libera. A mulher desaparece e Fenty é resgatada do telhado. Um garoto Avox surge e nos dirige a uma sala onde o café da manhã está sendo servido. Apesar da tensão no estômago, como o máximo que consigo, embora nenhum item da deleitável refeição me impressione muito. Estou tão nervosa que comeria até sardinha crua. A única coisa que me distrai é a vista da janela, enquanto voamos por cima da cidade em direção à natureza selvagem. Essa é a visão dos pássaros. Só que eles estão livres e seguros. Exatamente o oposto de mim.

A viagem dura mais ou menos meia hora. Então as janelas escurecem, indicando que estamos nos aproximando da arena. O aerodeslizador aterrissa e Fenty e eu voltamos para a escada, só que dessa vez ela nos conduz a um tubo subterrâneo que nos leva às catacumbas que ficam abaixo da arena. Seguimos instruções até meu destino, uma câmara onde serão feitos meus últimos preparativos. Na Capital, eles chamam o lugar de Sala de Lançamento. Nos distritos, se referem a ela como o Curral. O local onde os animais são mantidos antes de serem abatidos.

Tudo é novíssimo em folha, serei o primeiro tributo a usar essa Sala de Lançamento. As arenas são sítios históricos, preservados após os Jogos. Destinos populares para os visitantes da Capital em férias. Passar um mês, rever os Jogos, passear pelas catacumbas, visitar os locais onde as mortes ocorreram. Você pode até participar das remontagens.

Dizem que a comida é excelente. Luto para manter o café da manhã no estômago enquanto tomo banho e escovo os dentes.

Fenty faz meu cabelo com um simples rabo de cavalo bem armado, ela usa um aparelho para definir minhas mechas. Então chegam as roupas, a mesma para todos os tributos. Fenty não deu opinião sobre meu traje – não sabe nem o que encontrará no pacote –, mas me ajuda a vestir a roupa de baixo, a roupa colada como uma segunda pele, de um tipo de tecido que ela não reconhece.

As botas, que visto sobre meias apertadas, são melhores do que eu poderia imaginar. Couro macio, não muito diferentes das que tenho em casa. Mas as daqui têm uma sola de borracha flexível e proteções do lado. Boas para correr.

Quando penso que a coisa acabou, Fenty puxa do bolso o colar de anzol, o que era do meu pai. Tinha esquecido completamente dele.

– Onde você conseguiu isso? – pergunto.

– No traje verde que você usou no trem – diz ela, a voz suave.— Imaginei que gostaria de usar, foi difícil convence-los que não era uma arma, mesmo com a parte levemente afiada. Não é uma arma, certo?

— Não... é um presente... do meu pai.

Fenty dá um longo suspiro e me olha com carinho, mais do que ela já me olhara em qualquer um dos dias.

— Não fui a estilista de seu pai, ainda não trabalhava aqui... mas Dalence... bem, ele me contou que já suspeitava, ele reconheceu seu sobrenome.— Fenty diz com cuidado.— Sabia que ele mesmo doa uma pequena parte mensal para às famílias dos jovens que ele teve que vestir? Ele sabe sobre você... bem, não sei porque faz isso, não podemos, é proibido, mas imagino que você não contará.

Não sei o que fazer com aquela informação, mas de repente tudo faz sentido. Nunca passamos fome ou necessidade, mesmo quando à crise assolou nossa vila distante da cidade, mesmo quando eu ainda não trabalhava e apenas minha mãe nos sustentava. Dalence doa dinheiro para a nossa família, estou tão surpresa por um ato de bondade vindo dele que não tenho reação.

— Eu não fazia ideia...

— Eu sei, eu também levei um tempo para descobrir. Me surpreendo com esse ato.— Fenty admite e eu aceno. — Então não há mais nada a fazer a não ser esperar a convocação – diz ela. — A menos que você consiga comer um pouco mais. Consegue?

Recuso a comida, mas aceito um copo d'água, que bebo aos pouquinhos enquanto espero no sofá. Não quero roer as unhas ou morder os lábios, então, acabo me dando pequenos beliscos no braço, que já está com pontinhos roxos pela minha mania.

O nervosismo se transforma em terror à medida que começo a prenunciar as coisas que estão por vir. Posso estar morta, completamente morta, daqui a uma hora. Talvez em menos tempo. Meus dedos percorrem obsessivamente o pequeno calombo duro em meu antebraço, no local onde a mulher injetou o dispositivo rastreador. Eu o pressiono, apesar da dor, eu o pressiono com tanta força que um pequeno hematoma começa a se formar.

— Quer conversar, Malia? — pergunta Fenty. Balanço a cabeça em negativa, mas Fenty não está satisfeita com isso, e então segura minha mão e me proíbe de me machucar.

Era Finnick que eu queria que estivesse comigo, ou Mags. Mas os dois precisam ir para o prédio dos Idealizadores, é lá que ficarão enquanto eu estarei na Arena, verão tudo em todos os momentos, mais que às pessoas em casa. É lá também que eles tentarão nos ajudar.

Uma agradável voz feminina anuncia que está na hora de eu me preparar para o lançamento. Ainda apertando uma das mãos de Fenty, caminho em direção ao círculo de metal.

— Estarei apostando em você, criança.— ela diz, carinhosamente.

Sorrio um pouco, mesmo com às minhas pernas trêmulas. E então um cilindro de vidro começa a abaixar em torno de mim, interrompendo nosso aperto de mão, separando-a de mim. Ela dá um tapinha com os dedos debaixo do queixo. Cabeça erguida.

Ergo o queixo e fico o mais aprumada possível. O cilindro começa a subir. Por uns quinze segundos, fico em total escuridão. Em seguida, sinto o círculo de metal me empurrando para fora do cilindro, em direção ao ar livre. Por um instante, meus olhos ficam ofuscados pela intensa luz do sol e a única coisa que consigo sentir é um vento forte com o auspicioso aroma de terra molhada.

Então, ouço a voz do lendário locutor, Claudius Templesmith, retumbar ao meu redor.

— Senhoras e senhores, está aberta a septuagésima edição dos Jogos Vorazes!

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora