Capítulo 41

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Malia não está dormindo nada nesses últimos dias, nenhuma posição a deixa confortável o suficiente, algumas a deixam sem ar, outras com dores demais. Quando adormece, acorda poucas horas depois aos gritos, pesadelos constantes. Então vem às crises de pânico, que duram a maior parte da madrugada. Está sendo difícil, para nós dois, porque eu não consigo dormir enquanto ela não está relaxada o suficiente. Estou andando como zumbi a dias.

Minha equipe de arrumação tem trabalho para disfarçar minhas olheiras. Não sei quantas vezes os ouço reclamar que estou me descuidando, que preciso dormir mais vezes se quero ter o público atraído por mim. Às várias camadas de maquiagem somem com toda às noites mal dormidas. Meu cabelo é cortado aos poucos, e um semi topete é moldado com musse. Estou como o Finnick que sempre surge na televisão.

Sou colocado em uma roupa de lã branca, confortável e bonita, meus dedos são recheados com anéis e algumas pulseiras. Estou usando o colar de Malia, o que era de seu pai. Ela me pediu, porque sabia que Fenty não permitiria ela usar nada que não fosse ouro.

— Não sei como deixaram ela prosseguir com essa gravidez.— Dalence resmunga, com raiva.— Sempre achei que vocês dois eram espertos... isso... sinceramente, Finnick.

— Não queríamos que ela engravidasse, mas aconteceu, e nós dois nos apegamos a ideia... eu nunca iria sugerir para abortar minha filha, Dalence.— eu digo, não com raiva, apenas frustrado.

— A história se repetiu, estou vendo a mesma coisa... Liam Baker e sua namorada grávida prestes a parir, morrendo na arena e a deixando sozinha.— Dalence puxa meus cabelos e eu faço uma careta. Malia me contou que meu estilista nunca parou de enviar dinheiro mensal para a família dela, por causa disso ela e Cora nunca passaram por nenhuma necessidade, nunca sofreram como os outros da nossa classe. Eu não acreditei em primeiro momento, Dalence sempre agiu como um babaca, mas aqui está ele, preocupado com Malia. — Que a Capital tenha piedade dessa criança.

Eu suspiro, meus ombros cedendo. Se os rebeldes não vencerem dessa vez, se tudo o que eu estiver arriscando for em vão, se eu priorizar defender Katniss e Peeta, e mesmo assim não vencermos... significa que a Capital punirá os Distritos mais ainda, e Malia sofrerá constantemente sabendo que um dia nossa filha irá ser chamada como Tributo.

— Então é verdade, com filhos de Vitoriosos não é por acaso.

— Claro que não é! Sempre acontece, sempre tratam como coincidência... Cogitei até mesmo que a ida da Malia para arena não fosse coincidência... Liam era uma febre, todos estavam apostando nele... mas não acho que a Capital iria tão longe... não sei se iriam.

Não o dou uma resposta, porque à porta do quarto em que estão me arrumando é aberta e Malia entra aos prantos, sem nem mesmo ter fechado o zíper do vestido. Vejo os trigêmeos de sua equipe correndo atrás dela, mas ela vem diretamente até mim e cai em meu colo, seus braços rodeiam meu pescoço e ela me abraça. Seguro seu corpo e a abraço também.

— O que aconteceu?! — pergunto, olhando para a equipe dela.

— N-nada... Steve apenas citou como ela ficaria bonita vestida de preto... no seu funeral.— a mulher diz, eu nem mesmo sei seu nome.

Malia me aperta ainda mais quando a mulher repete às palavras, tremendo em meu colo. Fecho os olhos e suspiro. Esses três são uns idiotas, será que ninguém entende o quanto ela está sensível?

— Vamos lá para fora, anda.— Dalence os empurra.— Voltamos em 5 minutos, não há tempo para atrasos.

Quando escuto a porta bater, tento afastar Malia para segurar em seu rosto, mas ela não quer me soltar de jeito nenhum. Beijo seu ombro e acaricio suas costas.

— Ei meu amor...— eu beijo sua nuca.— Ele tem razão você realmente é uma delícia vestida de preto.

— N-não tem graça! — ela grunhe e eu rio baixo.— Por que não podemos ir ao Distrito 13 agora mesmo? Por que eles não salvam todos nós? Pregam o quão estão preparados para guerra, a quanto tempo planejam isso... mas onde eles estão agora? Onde estavam quando as pessoas no nosso Distrito eram chicoteadas e mortas? Eu não estou certa dessa plano.— ela se afasta e me olha, tão nervosa que está pálida.— Vamos fugir... nós e nossa família, não confio nesse Distrito.

Seguro seu rosto entre minhas mãos, um ruído choroso escapa da sua garganta. Seus olhinhos inchados de tanto chorar, olheiras manchando sua pele delicada. Eu de repente sei, que se algo acontecer comigo na arena, ela não vai aguentar, tenho medo que ela tenha mais um sangramento e dessa vez nossa filha não resista. Fugir seria a melhor opção, se hoje não fosse o dia de irmos
para a colheita, se nós não tivéssemos que entrar no trem assim que formos sorteados, se Malia não estivesse grávida de quase 7 meses.

— Nossa única opção é ter esperança, linda... que o plano dê certo, que sejamos levados para o Distrito 13... não temos nenhuma outra alternativa, mas pelo menos temos esperança... nem tudo está perdido.— eu beijo sua testa e passo a mão embaixo do seus olhos.— Você vai ficar bem, nossa família vai ficar bem, nossa filha... tudo vai dar certo.

— Eu não sei viver sem você...— ela diz, a voz embargada.— Você entende?

— Eu sei... mas caso aconteça... caso eu não volte... Malia você precisa ser forte, ser muito forte, está me ouvindo? Nossa filha precisa de você, nossa família precisa.— eu digo olhando em seus olhinhos.— Eu nunca vou te deixar, mesmo que não seja mais nesse plano...— meu coração se aperta.— Você ainda precisa ouvir meus votos.

— Você já fez os votos? — seu sussurro é baixinho.

— Fiz antes mesmo de você dizer o sim.— conto, acariciando sua bochecha.— Te contarei onde ele está... eventualmente.

Malia revira os olhos e eu rio. Eu à beijo, com toda vontade dentro de mim, um beijo calmo, para acalmar a nós dois. Estou com tanto medo, tão abalado com toda situação, e não posso demonstrar, porque se eu o fizer tudo desaba em nossas cabeças.

A porta se abre e Dalence surge a expulsando do quarto. Malia me dá um último selinho antes de descer do meu colo. Minhas preparações duram por mais 10 minutos, então eu e Malia somos colocados em um carro, com um motorista que não conhecemos. Minha noiva está usando um vestido branco de seda sem alças, e toda vez que encosta em seu corpo exibe sua barriguinha redonda. Seus longos cabelos estão em um rabo de cavalo, às mechas mais moduladas que o comum, e a maquiagem leve que só ilumina suas bochechas em um tom adorável rosado.

A colheita leva apenas um minuto. Lark, resplandecente numa peruca nova de vermelho cobre. Ele não diz a famosa frase de efeito com tanta empolgação como costume, Lark mexe na bola com os dois papéis e leva longos segundos para escolher um deles.

— Malia Dareaux.— diz em uma voz robótica, triste, percebo.

Mags de imediato levanta o braço e se apresenta como voluntária no lugar da minha noiva. Meu coração se parte com o choro de Malia, suas pernas cedem e ela se apoia no chão, a mão na boca para abafar o som do seu choro, me abaixo ao seu lado e amparo seu corpo. Lark precisa remexer durante um bom tempo a bola com o nome dos garotos para agarrar o único papel que contém meu nome. Tento abrir um sorriso quando a câmera enquadra meu rosto, mas minha cara sai mais perto de uma careta.

Somos imediatamente levados para o interior do Edifício da Justiça para nos encontramos com o Chefe dos Pacificadores, que está nos esperando.

— Novo procedimento — diz ele com um sorriso. Somos levados a sair pela porta dos fundos, colocados num carro e conduzidos para a estação ferroviária. Não há câmeras na plataforma, nenhuma multidão para nos saudar no caminho.

Nós não nos despedimos da nossa família.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora