Capítulo 5

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Não há ninguém para me olhar, ninguém por perto no corredor quando abro a porta e vagueio perdidamente pelo espaço. Admiro a paisagem pela janela de vidro e vejo que o sol está se pondo, o céu brilha lindamente em um laranja suave misturado com cores que complementam sua bela coloração.

Me lembro de casa, todo dia tendo essa mesma vista quando encerrava meu turno na fábrica, a saudade começa a esmagar meu peito. Penso em como meus colegas de trabalho estão sobre minha ausência, se meus amigos de escola tem esperança em mim. Minha mão sobe instintivamente para o pingente que minha mãe me deu, meus dedos roçando na parte afiada do minúsculo anzol.

Preciso achar Mags.

Ando de um lado para o alto, abrindo portas timidamente, temendo encontrar pessoas dentro das quais eu precisaria explicar minha intromissão. Acho algumas salas curiosas, uma das que me chamou atenção foi a que possuía diversos jogos que nunca nem imaginei que existiam. Entro nela e observo de perto, tocando meus dedos nos botões das maquinas, um pouco maravilhada. Me aproximo de uma que se chama Simuleitor, vou tocando cegamente nos lugares até começar a ler uma série de nomes conhecidos. Me espanto um pouco quando percebo que são nomes de vitoriosos dos Jogos Vorazes, estou sem palavras. Minha escolha é Finnick, obviamente porque ele é do meu Distrito. Seu boneco flutua em um holograma e sua voz preenche a sala.

— Bela escolha, vejo que é inteligente. — o boneco diz com a mesma arrogância que o verdadeiro. Reviro meus olhos.

A outra opção é escolher qual Arena gostaria de jogar, as opções são de todos os anos. Me sinto brevemente incomodada, os Vitoriosos viram personagens de jogos que refletem os horrores que passaram na Arena, eles se tornam apenas bonecos para o entretenimento da população.

Escolho o ano da 21º edição, o ano que os idealizadores criaram bestantes de dinossauros. Foi  uma péssima ideia. No momento em que os inseriram na Arena, eles caçaram todos os 6 que sobraram com avidez. O Vitorioso daquele ano quase não sobreviveu de tanto que foi retalhado, tiveram que imenda-lo todo e sua turnê da vitória demorou mais que o esperado, contando que ele estava em recuperação e na epóca não existia os meios de cura quase instântaneos que há hoje.

Meu boneco de Finnick está girando em vez de correr para frente, não sei move-lo. Demoro para descobrir um botão que o faz dar um salto inumano, e de repente ele está em cima de um dinossauro com seu Tridente em mãos, está apunhalando os outros. Eu rio quando a própria voz do verdadeiro Finnick grita de dor, alguém em cima de uma árvore o acerta, ele cai e é esmagado, a tela fica vermelha e mostra que eu perdi os jogos.

Escolho ele novamente e o coloco na Arena de gelo, não sei fazer uma fogueira, ele morre congelado, mudo a Arena, ele morre de novo. De novo. De novo. Fico um pouco frustrada, não sei manter um boneco vivo, então como me manterei? Todas as minhas escolhas resultam com a morte.

— Você não é ruim. Eu alterei a dificuldade do jogo.— a voz me faz dar um gritinho de susto.

O verdadeiro Finnick está atrás de mim, escorado na porta. Uma pose muito esnobe, como tudo o que ele faz, seus braços estão cruzados e o queixo levemente arqueado. Fico sem reação quando percebo que ele está sem camisa, apenas com uma calça moletom esverdeada, seus músculos estão aparentes e eu nunca vi nada do tipo. Não que eu veja constantemente homens sem blusas, na realidade nunca os vi sem contar às vezes na praia.

Sinto meu rosto queimar quando ele dá passos em minha direção. Me escoro no jogo atrás de mim e estou precisando levantar o pescoço na medida que ele se aproxima, ele é alto, alto demais. Tenho a estatura média do meu distrito, na televisão ele também parecia ter, nunca reparei o suficiente. Aqui na minha frente vejo que ele deve ser maior que eu no mínimo uns 30cm. Percebo que não há mais sardas em seu rosto, eu recordava de várias.

— Você lembra de mim, não é? — sua voz não passa de um sussurro, tão perto de mim que sinto seu hálito de menta.— Vire-se, finja que estou te explicando algo. Não pareça tão assustada... há câmeras aqui.

Obedeço ele e logo estou de costas para seu corpo. Não sei porque estou reagindo como uma garotinha, mas ele é apenas demais para eu lidar. Finnick mexe nos botões com maestria, vejo ele tirar do modo profissional e colocar na dificuldade real. Ele escolhe seu próprio personagem mais uma vez e a Arena do 35° jogo. Finnick segura minha mão e eu me assusto com o toque, ele a coloca em cima dos botões e me manda jogar.

— Não acredito que está aqui. Eu sinto muito, isso é pessimo Malia.— sua voz é baixinha. Estou arrepiada. — Perdi a conta dos anos, achei que seu último era ano passado, não te reconheci de primeira...

Finnick mostra algumas coisas na tela, como se tivesse me ensinando.

— Finnick... não preciso da sua pena agora... eu preciso ganhar, preciso voltar para minha família, não há outra opção, me entende? — minha voz é calma, baixa.

— Vou arrumar patrocinadores, vou te ajudar em tudo... mas não posso demonstrar minha preferência logo de cara... não podem saber que nos conhecemos antes daqui.— sua voz está carregada de uma emoção que não consigo interpretar.

Algo em mim me faz desconfiar de cara. O Finnick das telas nunca está interessado em seus prodígios, nunca aparece nas telas demonstrando preocupação ou tristeza por perder alguém. Finnick escolheu morar na Capital, se voluntariou para os Jogos e toda sua vida se baseia em luxos e riquezas. Ele não é nada com o garoto que conheci. Sei que sua família mora no Distrito 4, ele nem mesmo deve visita-los com frequência.

E mesmo que Finnick esteja dizendo a verdade, mesmo que ele se esforce por mim, e não esteja todo tempo sumido em baladas ou dates com mulheres ricas da alta sociedade, dentro da Arena estarei sozinha, seus Patrocínios e dicas não servirão de nada se eu não desempenhar esse trabalho sozinha. Fico tensa e nervosa em pensar na Arena, pensar que estarei sozinha com outros 23 Tributos, que em algum momento terei que matar alguém, que às chances são ainda menores de vencer e preservar minhas mãos limpas.

Finnick solta sua respiração pesada em minha nuca e todo meu corpo se arrepia, sou trazida de volta para a sala, para o trem em movimento. Me lembro imediatamente do motivo pelo qual cheguei ali, do meu objetivo em sair do quarto.

— Pode me fazer um favor?

— Qualquer coisa, linda. — sua voz é arrastada e carregada de charme. Preciso de muito para não revirar os olhos.

Me lembro de ser criança e crescer durante alguns anos do lado dele, de quando ele não era nada como é agora. Lembro de Finnick fazendo promessas como um poeta. A memória é quentinha e tem cheiro de casa, a empurro para o fundo da minha mente e a deixo esquecida junto com todas às outras. Estou começando a me sentir irritada, ou talvez já estivesse.

Deixo o Finnick do jogo morrer para ter uma desculpa para me virar e olhar o de verdade. Ele está mais perto do que eu imaginava, e abre um sorriso ladino assim que me percebe olhando para sua boca. Franzo o cenho e ponho às mãos no seu peito, o empurrando um pouco para longe de mim.

— Quero conversar com Mags.— eu digo.— Mas como você sabe, não entenderei muita coisa, preciso que traduza.

— Conversar à respeito do quê? — sua sobrancelha se ergue levemente.

— Me leve até ela e saberá.

Ele me olha parecendo pensar se vale a pena ou não, mas no fim, Finnick suspira e faz um sinal para eu segui-lo.

Andamos para fora da sala e assim que à porta desliza atrás de mim, sua respiração se torna audível, como se ele soltasse uma grande lufada de ar que estava prendendo. Ele rapidamente me explica que não há câmeras em todos os lugares, mas em ambientes que a Capital julga que de alguma forma possa existir uma espécie de treinamento, sim.

Estou o seguindo por todo trem, tentando julgar se confiarei nele ou não. Ele já mentiu uma vez e pode fazer outra. Finnick me leva para uma sala que dá abertura para várias outras portas, ele anda até uma terceira e sem nem mesmo bater, ela desliza e nos dá abertura para entrar.

Percebo ser um quarto, ele está todo equipado com aparelhos médicos, algumas bengalas escoradas no canto da parede, bolas de yoga e sapatos espalhados. Mags está deitada na cama enorme, e seu olhar rapidamente se fixa em nós dois.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora