Capítulo 23

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Finalmente, chega a hora em que acordo e não há mais nada plugado em meus braços. Começo a me sentar, devagar, mas sou tomada de surpresa pela visão de minhas mãos. A perfeição da pele, macia e brilhante. Não apenas as cicatrizes da arena, mas também todas aquelas acumuladas ao longo de tantos anos empilhando sardinhas e me cortando com os metais, desapareceram sem deixar vestígios. Quando ergo minha blusa e tento encontrar o corte em minha barriga, não há mais nada.

Deslizo minhas pernas para fora da cama, ansiosa para saber como vão sustentar meu peso e as encontro fortes e firmes. Aos pés da cama encontra-se um traje que me deixa perplexa. Foi usado por um dos tributos na arena. Encaro-o como se o objeto possuísse dentes até me lembrar que, é claro, isso é o que vestirei para saudar minha equipe.

Visto-me em menos de um minuto e estou irrequieta na frente da parede, onde sei que há uma porta mesmo que não consiga enxergá-la, quando, subitamente, ela se abre. Piso num corredor amplo e deserto que parece não possuir mais nenhuma porta. Mas deve possuir.

— Finnick? — chamo o primeiro nome que vem em minha cabeça.

Escuto meu nome em resposta, mas não é a voz dele. É uma voz que, primeiro provoca irritação e depois impaciência. Lark.

Eu me volto e vejo todos esperando em uma grande câmara ao fim do corredor – Lark, Finnick e Mags. Meus pés partem sem hesitação. Talvez um vitorioso devesse demonstrar mais comedimento, mais superioridade, principalmente quando sabe que aparecerá na televisão, mas não dou a mínima. Corro até eles e me lanços nos braços de Finnick em primeiro lugar. Quando ele sussurra em meu ouvido "Você me assustou, meu amor", seu tom de voz faz lágrimas queimarem meus olhos.

Mags está um pouco lacrimosa e não para de acariciar meus cabelos enquanto ainda estou nos braços dele, que me aperta com tanta força que eu me sinto em casa. A abraço assim que ele me deixa sair, e inspiro seu cheiro de hortelã.

— Parabéns Malia, você fez um ótimo trabalho.— Lark diz em algum lugar atrás de mim. — Finnick leve ela até Fenty, ela precisa se arrumar para a cerimônia.

É um alívio ficar a sós com Finnick, sentir seu braço protetor em volta de meus ombros enquanto me leva para longe das câmeras por algumas passagens até um elevador que nos conduz ao saguão do Centro de Treinamento. Então, o hospital fica bem no subterrâneo, mais abaixo até do que o ginásio onde os tributos treinaram a preparação de nós e o arremesso de lanças. As janelas do saguão estão escuras, e um punhado de guardas está a postos. Ninguém mais está lá para nos ver entrar no elevador dos tributos.

Nossos passos ecoam no vazio. E enquanto subimos até o quarto andar, os rostos de todos os tributos que jamais voltarão surgem em minha cabeça e sinto meu peito se contraindo. Sou surpreendida com os lábios de Finnick grudados no meu. Ele me beija de um jeito doce, apenas como se precisasse sentir meus lábios, nada da urgência desesperada que trocamos na primeira vez, mas mesmo assim esse é ainda melhor, é capaz de me acalmar e fazer uma sensação quente pousar em meu estômago. Me distraio de todos os meus pensamentos anteriores, porque tenho ele ali comigo.

— Precisei... dar uma entrevista, como seu namorado, porque depois do que Peter disse... eles quiseram explicações.— Finnick diz baixinho.— Contei que nós apaixonamos na semana que veio, e que nós conhecemos desde a infância. Caesar ficou encantado com a história e o público também... mas por conta disso precisei sair da central dos Jogos, não pude responder como seu mentor porque seria injusto. A última e única coisa que consegui foi aquele antídoto para à mordida, mas eu queria ter te ajudado mais, e teria achado um jeito. Não seria difícil, todo mundo quer você bem, Malia, porque querem a gente juntos.

Minha mente é um turbilhão de pensamentos incertos e confusão. Não por suas palavras, mas por tudo que aconteceu nos últimos dias, tenho dificuldade para associar suas palavras. Seus olhos verde-mar me encaram com ternura e tanto carinho que sinto, por alguns segundos, que talvez a história pudesse ser verdadeira.

— O que significa? — me afasto um pouco.— A Capital acha que namoramos agora?

— Sim... isso é bom porque eles gostam da gente, viramos algum símbolo de amor verdadeiro, não sei bem.— seus dedos tocam minhas bochechas com carinho.— Sabe o que isso significa, Lia?

Nego em um aceno, estou presa em seus olhos cheios de lágrimas, em seu sorriso feliz.

— Querem nós dois juntos, você não vai precisar passar pelas coisas que aconteceram comigo, porque você é comprometida, e ninguém quer a gente separado agora.— ele diz baixinho.— Vou poder voltar para casa, para minha família, e vamos ficar juntos.

Aos poucos suas palavras fazem sentido em minha mente, aos poucos entendo o que aquilo quer dizer. Não consigo conter minhas lágrimas, o abraço apertado, escuto sua risada e ele me levanta enquanto enche meu pescoço e rosto de beijos.

Quando a porta do elevador se abre, Fenty, Gina, Paul e Steve me abraçam, falando com tanta rapidez e com tanto arrebatamento que mal consigo entender as palavras. Mas o sentimento é claro. Eles estão verdadeiramente emocionados por me ver e estou feliz por vê-los também, embora não da mesma maneira que estava ao ver Finnick e Mags. Esse encontro seria mais como rever um quarteto de animais de estimação ao fim de uma jornada particularmente árdua.

Eles me empurram para dentro da sala de jantar e sou agraciada com uma refeição de verdade – rosbife, ervilhas e pãezinhos macios –, embora minhas porções ainda estejam estritamente controladas. Porque quando peço para repetir, não sou atendida.

– Não, não e não. Eles não querem que toda essa comida seja regurgitada em pleno palco – diz Fenty.

Sem que ninguém veja, Finnick me passa um pãozinho extra por baixo da mesa para que eu saiba que ele está do meu lado.

Voltamos para meu quarto e Fenty desaparece por um tempo enquanto a equipe de preparação me apronta. Finnick é expulso por meus arrumadores, mas me promete que me esperará quando eu ficar pronta.

– Oh, eles fizeram um polimento realmente fantástico em seu corpo – Gina, com inveja. – Não ficou nenhuma falha na sua pele.

Mas quando olho para meu corpo nu no espelho, tudo o que consigo ver é como estou magra. Enfim, tenho certeza de que estava bem pior quando voltei da arena, mas posso contar minhas costelas com facilidade, o que nunca aconteceu antes.

Eles cuidam dos controles do chuveiro para mim, e começam a trabalhar em meus cabelos, unhas e maquiagem depois que termino o banho. Eles falam tanto, e sem parar, que quase não consigo responder a todos, o que é bom, já que não estou muito disposta a conversar. É engraçado, porque apesar de eles estarem tagarelando sobre os Jogos, só falam sobre onde estavam ou o que estavam fazendo ou o que sentiram quando determinado evento ocorreu. "Eu ainda estava na cama!" "Eu tinha acabado de tingir as sobrancelhas!" "Eu juro que quase desmaiei!" Tudo se refere a eles, não aos jovens que estavam morrendo na arena.

Não nos comportamos assim a respeito dos Jogos no Distrito 4. Nós cerramos os dentes e assistimos porque devemos tentar voltar ao trabalho o mais rápido possível quando a transmissão acaba. Para não odiar a equipe de preparação, simplesmente me desligo de quase tudo o que eles estão dizendo.

Fenty volta com o que parece ser um despretensioso vestido rosa nos braços.

– Você vai ficar como uma princesa – diz ela, e desliza o vestido por cima de minha cabeça. Imediatamente, noto o revestimento sobre meus seios, adicionando curvas que a fome roubou de meu corpo. Minhas mãos vão até o peito e franzo as sobrancelhas.– Eu sei – diz Fenty, antes que eu possa reclamar. – Mas os Idealizadores dos Jogos queriam te alterar cirurgicamente. Finnick teve uma discussão longa com eles sobre isso. Esse foi o acordo. – Ela me interrompe antes que eu possa olhar meu reflexo. – Espera aí, não esqueça dos sapatos.

Steve me ajuda a calçar os saltos altíssimos que fazem meu pé doer. Sou conduzida até o espelho e aprecio por longos minutos minha imagem. Minha maquiagem está leve e fraca, apenas cobrindo minhas sardas, estou passando uma imagem de garotinha pura e doce, nada do que Fenty queria me transformar antes, em uma imagem de sereia sensual ou qualquer coisa do tipo. Meus cabelos estão presos em um rabo de cavalo enfeitado com pedrarias rosas. Me sinto bonita e estou contente.

— O que você acha? — pergunta Fenty.

— Achei perfeito, é meu favorito — respondo.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora