Capítulo 20

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Não houve mortes no segundo dia. Passei ele por inteiro andando em busca de uma fonte de água, porque a minha estava acabando e a desidratação me deixaria fraca e fácil de ser pega.

Minhas pernas doem e meus músculos reclamam a cada passo que dou, mas não paro, e também não relaxo, estou preparada para qualquer ataque, fico tão aprumada que estou sempre de olho em todas às direções possíveis.

Em determinado momento, sei que às câmeras não devem estar em mim a muito tempo. Não estou fazendo nada de interessante além de andar, não matei ninguém e não fiz nada que valesse uma grande aposta. Temo que isso me faça perder um pouco do gosto que às pessoas tinham em mim. Sei que preciso fazer algo, que preciso usar a plateia como recurso, mas não sei o que fazer.

Penso em Finnick, a criança de 14 anos que venceu os jogos. Cada minuto dele deveria ter sido interessante, cada morte que ele levou, lembro que mesmo sem assistir, eu ouvia às pessoas nas ruas, eufóricas com o jovem de 14 anos. Ele me contou que em um momento, sem ajuda dos patrocinadores, ele não teria conseguido o tridente, ele achava que não teria ganho sem ele.

Preciso agir, sei disso. Mas sei também que falar e pensar é mais fácil do que fazer. Apenas a ideia de tirar uma vida faz meu estômago revirar. Não quero ser responsável por ninguém, mas preciso disso.

O dia passa rapidamente, estou me escondendo novamente, no chão entre um aglomerado de pedras que permite apenas uma única passagem de entrada, onde poderei enfrentar um possível oponente sem surpresas. Tentei subir em uma árvore, mas falhei tão vergonhosamente que espero que ninguém de casa tenha visto. Por fim, bebo o último gole de água, depois de comer algumas das tiras de carnes. Amanhã não terei escolha nenhuma além de achar uma fonte de água.

Está quase escurecendo quando escuto o barulho baixinho e curto, um som mecânico vindo de uma das pedras. Me ajeito segurando o facão, e então percebo que a câmera está em mim, não consigo imaginar o quão horrível estou, e por alguns segundos me repreendo mentalmente por pensar assim em uma situação como aquela. Resolvo usar o cérebro e fico preocupada, não há motivos para estarem me olhando se não estou fazendo nada, a menos que algo esteja prestes a acontecer, alguém por perto.

Click

Ergo meu tronco e agarro minha arma. O som de gravetos quebrados faz meu coração disparar, está cada vez mais próximo do esconderijo, tão próximo que consigo ouvir uma respiração desregulada e trêmula. Me escolho, temendo o pior. A câmera se move novamente e me enquadra. Os passos se tornam mais rápidos, mais desesperados, e então a garota grita.

Estou trêmula, sem entender, até que escuto uma risada que reconheço, e em seguida o som do canhão.

Peter está aqui, está próximo de mim. Pelo som dos seus passos, ele está sozinho. Percebeu que os outros iriam mata-lo? Ou será que os matou durante à noite e eu não ouvi. Ele ainda está rindo, como um sádico, e temo que ele tenha ficado louco. O que não é incomum dentro dos jogos. Certa vez uma das participantes Carreiristas, ficou tão louca que matou um tributo mordendo seu pescoço e arrancando pedaços. Ela se tornou canibal e a coisa ficou tão intensa que a Capital cortou o máximo de suas cenas em vez de exibi-las para às pessoas.

Me encolho e me escondo ainda mais a mão sobre a boca segurando a respiração. Ele deve estar a menos de 3 metros de distância.

Estou tão focada com a sua presença próxima, que não percebo a cobra que deslizou por trás de mim. Só reparo quando seus dentes estão enfiados em meu braço esquerdo. O grito é inevitável, porque dói como um inferno. Arranco a cobra de mim e a arremesso longe, me levanto e seguro o facão em posição.

Peter está na minha frente, na única saída possível, ele está assustador, manchado de sangue, com uma mochila, e sem arma alguma. O que me diz que ele matou a garota com os próprios dedos, ou com alguma pedra que devia existir por perto.

— Olá, Malia.— ele sussurra, a voz sádica.

Se lutarmos mão a mão, não terei chances, mas tenho uma arma e ele não. Peter não espera eu responder, ele avança em minha direção e eu giro o facão acertando seu braço que tinha o punho em minha direção. Enterrei tão fundo que preciso usar força para tirar.

Peter berra de dor, sangue espirrando para todos os lados. Me sinto zonza, e não sei se é porque a cobra talvez tivesse veneno, ou porque estou vendo o que fiz à ele.

Fico tanto tempo parada, e assustada, que não vejo quando ele se move rápido demais e agarra meu tornozelo com o braço bom. Sou puxada para o chão e grito quando minha cabeça bate com tudo em alguma pedra. De repente ele está em cima de mim, me sufocando com seu peso, enquanto seu dedos apertam meu pescoço. Não consigo respirar, não consigo me mexer, estou ofegando, batendo em seu braço bom, lutando pela vida.

Mas a cobra com certeza tinha veneno, e esse veneno com certeza está fazendo efeito. Minha visão duplica. Estou vendo tudo escuro.

— Você durou mais do que eu pensava, mas eu sempre soube que eu que colocaria um fim nisso.— Peter diz baixinho.— Percebi no momento em que você entrou naquela sala que eu não tinha chances... e confirmei isso quando vi o nosso mentor saindo do seu quarto... abriu às pernas para ele? O seduziu para conseguir todas essas suas coisinhas? Você é suja, não passa de uma vadia aproveitadora.

Meus dedos alcançam o facão caído, e usando forças anormais que não possuo, giro meu braço e o atinjo diretamente na lateral do pescoço. A pressão em meu pescoço cede por tempo suficiente para eu puxar minha mão e o atingir novamente, ainda com mais força. Sangue espirra em meu rosto e eu grito enquanto vejo a vida deixar seus olhos.

O som do canhão concretiza ainda mais o que acabei de fazer.

Peter cai em cima de mim, me amassando e roubando o pouco ar que me resta. Meus sentidos desligam e eu sinto tudo girar em minha volta. Não consigo ver, respirar, e apenas um zumbido toma conta do meu ouvido. Vou morrer sufocada, ou com o veneno e vai ser isso. Pelo menos o levei comigo, pelo menos sei que ele não será o vencedor.

Estou semi acordada quando o som gracioso de um patrocínio alcança meus ouvidos. Não adiantará, alguém gastou muito para me salvar, mas não conseguirei chegar até lá. Não consigo nem mesmo tirar Peter de cima de mim. Estou jorrada com o sangue de outra pessoa, e tudo isso me deixa enjoada.

Finnick deve ter convencido alguém com seu charme, deve estar tão preocupado que seus cabelos deve estar uma bagunça. Mags com certeza está segurando sua mão, e torcendo por mim. Minha mãe deve estar chorando, e proibindo meu irmão de assistir, ele provavelmente está no quarto, brincando com seus carrinhos, sem saber que estou prestes a morrer.

Tusso algumas vezes, e o sangue que caiu em minha boca me faz ter ânsia.

Não posso morrer assim, eu sei disso.

Me movo devagar, mas meus membros parecem ter virado cimento. Uso todas às minhas forças para empurrar o corpo morto de cima de mim. Meu cérebro está derretendo com toda certeza. Percebo que já está totalmente escuro, o céu completamente diferente, iluminado apenas pela lua enorme e brilhosa, já em seu ápice. Quanto tempo eu fiquei daquele jeito? Era claro quando tudo aconteceu.

Movendo meu pescoço eu avisto a caixa de metal com o tecido caído do paraquedas no chão. Está tão perto que sei que fizeram isso na tentativa de que eu realmente alcançasse. Eu gemo, e choro, fazendo todo esforço do mundo para finalmente alcançar.

Abrir a caixa é ainda mais difícil, mas de alguma forma eu consigo. Tudo que há é uma seringa com um líquido amarelo dentro, uma agulha afiada. Não sei o que fazer, nunca acharei a veia, mas estou tão desesperada que apenas enfio com força no braço que foi mordido e injeto o líquido.

O efeito não é imediato, não sei se fiz errado, não consigo fazer nada, estou zonza, a escuridão retornando. Meus olhos se fecham e parecem grudados com cola. Aos poucos, eu finalmente apago.

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora