Capítulo 71

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Deslizo a escova de cerdas macias no fios ralos de Alice, virando para o lado esquerdo as mechas. Percebi a alguns dias que elas começaram a cair, deixando uma parte atrás da sua cabeça careca, o que me arrancou uma risada. Eu termino de pentear e escondo a parte pequena com uma faixa preta com um laço enorme que tem uma pérola em seu centro. Minha bebê está vestida com um vestido preto de babados, nos pés sapatinhos da mesma cor.

Alice balbucia botando a mãozinha gorda na boca, mordendo o punho e me lançando um olhar brilhante. Eu rio e me inclino à pegando no colo. Inspiro seu cheiro e a abraço tentando acalmar a dor em meu peito que parece incessante.

Saio do quarto para o corredor da minha casa. Posso escutar o som de vozes na medida em que desço às escadas. Minha mãe está com Zyan, uma conversa baixinha sobre o que vai acontecer no dia de hoje. Meus passos são o suficiente para ambos ficarem em silêncio.

— Pode pegar ela enquanto eu me visto? — pergunto e vejo um sorriso surgir em seu rosto e no de Zyan ao ver a sobrinha. — Vai ser rápido.

— Claro, passarinho — minha mãe diz ao se levantar.

— Eu posso ficar também — Zyan responde quase saltitando de empolgação.

Alice fica mais do que feliz em ir para o colo da avó, ela abre um sorriso enorme e banguela. Permaneço com eles por mais alguns minutos antes de subir novamente para o meu quarto.

Não preciso de muito para ficar pronta. Um vestido preto, colado em meu corpo que vai quase até os joelhos, sem muitos detalhes. Meu cabelo o deixo solto, e apenas uma maquiagem para esconder às olheiras e realçar meus olhos. Estou terminando de colocar meus saltos quando Finnick surge do closet com os cabelos espetados para todos os lados, olhos vermelhos, a camisa torta, e a gravata por fazer.

— Preciso de ajuda — ele diz, rouco. — Não consigo arrumar essa droga de... de gravata... sinceramente não sei a utilidade disso... não é necessário, não é como se Simon ou Mags fossem ligar para como estaremos vestidos ou não, não é como se eles fossem ver algo... porque eles estão mortos, não é?

Um lufar de ar faz seu corpo tremer, eu vejo lágrimas e mais lágrimas descendo enquanto ele passa a mão nos cabelos e gesticula e diz milhares de coisas que partem meu peito ao meio. Me aproximo dele à passos rápidos, seguro suas duas mãos e faço com que ele me olhe.

— Posso te ajudar com essa gravata... e ajudar com sua camisa e cabelo, está bem? — eu digo baixinho e ele assente me olhando cheio de tristeza. — Não posso ajudar com sua dor, não posso amenizar o que está sentindo, não posso fazer com que ela acabe... mas estou aqui com você. Vamos passar pelo dia de hoje, e o dia seguinte... e o depois... vou estar sempre ao seu lado.

Finnick soluça enquanto assente. Eu me inclino nos pés para abraça-lo e seus braços me apertam com força enquanto ele chora em meu ombro. Acaricio os fios de cabelo da sua nuca, enquanto minha outra mão desliza em suas costas. Perco a noção do tempo em que ficamos assim, perco a noção de mim mesma ao chorar junto com ele.

Quando Caio bate na porta dizendo que está quase na hora, eu desfaço o abraço e ajudo Finnick a entrar nos eixos. Primeiro com os botões da sua camisa, depois a gravata, o blazer e por fim seus cabelos. Ele fica em silêncio em cada minuto, me olhando atento. Eu abaixo a escova de cabelo a deixando do lado do seu corpo na cama e seguro os dois lado do seu rosto entre minhas mãos.

— Eu amo você — sussurro e vejo seus olhos fecharem enquanto ele umedece os lábios. Seus braços rodeiam meu corpo e ele me trás mais para perto.

— Eu te amo — diz baixinho. — Obrigado por estar aqui.

Beijo seu rosto e o puxo para ficar em pé. Finnick trás o carrinho de Alice no braço enquanto eu desço às escadas na sua frente. Todos já estão na sala esperando por nós. Eu vejo o horário no relógio em cima do móvel e vejo que falta apenas 5 minutos para às 22 horas.

É tradição em nossa Distrito o funeral acontecer durante esse horário. Nunca perguntei o porquê e ninguém parece ter dúvidas para se fazer nesse minuto.

Não temos o corpo de Simon, nem o de Mags que a Capital se desfez dele em algum momento já que ela não tinha familiares para quem enviar. Nós preparamos uma pequena cerimônia perto da gruta na praia. A decoração foi feita com velas, porta retratos de ambos, e objetos de cada um, um de cada lado. E conforme nos aproximamos do local, eu percebo Luna ajoelhada em silêncio, seus pais metros de distância. Ela mal parece perceber nossa chegada.

O padre do qual pedimos para comparecer, realiza a cerimônia de despedida. Palavras bonitas jogada ao ar. Palavras que deviam confortar meu peito.

Começo a rezar pelos dois, até que a oração se estenda para cada um dos nossos conhecidos que foram mortos, para meu pai, os soldados do 13, a irmãzinha de Katniss, e cada uma das pessoas que tiveram seus peitos dilacerados pela dor de perder alguém que amam. Rezo por consolo e para contentamento. Para que os falecidos encontrem à paz que tanto merecem.

Alice me abraça e apoia a mãozinha na minha bochecha, minhas lágrimas a molhando. Eu agradeço à vida dela infinitas vezes enquanto seguro o terço entre meus dedos entrelaçados ao de Finnick.

A cerimônia é mais rápida do que eu pensava, June e Davi dizem algumas palavras, assim como minha mãe. Os outros irmãos permanecem em silêncio. Cada um distribui uma margarida em cima de cada pedestal. Meu marido põe três em cada, uma que representa à ele, a mim e a Alice.

— Sinto muito por não darmos a chance de vocês se despedirem — eu ouço Caio dizer a Luna, que ainda chora em silêncio. — Ele à amava, muito. Queria participar da guerra por você, queria garantir que ela chegasse ao fim para voltar para você... nossa família sempre estará aqui para a sua, Luna, nunca esqueceremos de você e nem do quanto era importante para o nosso irmão. Você pode sempre contar comigo, ou com qualquer um de nós.

— Amamos você, Luna — June diz a abraçando pela cintura.

Não consigo mais controlar minhas próprias lágrimas ao vê-la desmoronar totalmente. Me imagino em seu lugar por segundos e entendo cada soluço e ofego desesperado. Minha mente começa a reproduzir imagens e cenas que nunca chegarão acontecer. Imagens de Simon crescendo ao lado dela, dos dois constituindo uma família, dos dois sendo felizes juntos como mereciam. É como uma facada em meu peito.

Finnick parece pensar o mesmo que eu, porque ele me abraça apertado, nossa filha gargalha em nosso meio. Ele a beija na cabeça e me beija na testa.

O resto da noite é semelhante a colocar sal em uma ferida, a mente de cada um de nós relembrando momentos e pesadelos. Ninguém fala muito, nem mesmo Theo que é o mais inquieto. Ele foi o primeiro a se trancar no rumo de casa.

Finnick e eu permanecemos na praia mesmo depois que todos se vão. Alice dormiu em meus braços e meu marido a colocou no carrinho. Finnick aproveitou a maré alta para me puxar para às ondas que se formavam. Me faz rir um pouco ao me fazer pular às nove ondas para concretizar a tradição de casamento do nosso Distrito.

Ele me beija calmamente quando a lua está em seu auge, e é bom por alguns instantes, uma calmaria em uma onda de tristeza. Me agarro ao seu corpo e não o solto por um longo tempo.

Às vezes tenho a certeza que a dor nunca vai passar, que apenas aprenderei à lidar com ela, mas que nunca vai sumir. Sei que em meses, anos, ainda estarei lembrando de tudo que passamos, de todas às perdas. Sei que minha mente tentará apagar, mas meu corpo me fará lembrar. Sei que os dias nunca mais serão os mesmos. Mas sei também que não estarei sozinha para lidar com isso, e apenas esse fato é capaz de tornar a dor menos insuportável.














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Escrever isso foi muito difícil pra mim, pois perdi alguém recentemente e todas às vezes que tentava descrever o sentimento era como se tivesse passando por tudo novamente. Não consegui. Me perdoem se pareceu meio raso, minha intensão era totalmente outra.

Outros dois irmãos de Finnick iriam morrer em minhas anotações de quando comecei a escrever a fanfic, juntamente com Cora, mas não consegui ser tão cruel. E nem mesmo adicionar mais sofrimento a nenhum personagem e a mim mesma.

Último cap antes do epilogo 🤧

70° edição dos Jogos Vorazes Onde histórias criam vida. Descubra agora