Eu durmo e acordo imerso em pesadelos dos quais não consigo sair. Pesadelos onde perco cada membro da minha família de uma forma brutal e nunca consigo salva-los a tempo. Sonhos onde Malia é capturada novamente pela Capital e dessa vez não volta para mim com vida. Minha filha não sobrevive ao parto e morre em meus braços. Simon morrendo novamente, chamando meu nome, implorando minha ajuda. Minha mãe, Mags, todos os meus irmãos e June. Não consigo salvar ninguém, nunca, não podem contar comigo, ninguém pode.Simon morreu por minha culpa, eu permiti que ele participasse dos exércitos, ele morreu para me proteger.
Em outros momentos sou pequeno demais, bracinhos finos pela fome e um corpo muito desnutrido. Há um bebê chorão em meus braços, meu irmão, uma coisinha que me assustou de primeira, mas que eu amei incondicionalmente. Memórias me rebatem, momentos em que brincávamos com gravetos e fingíamos fielmente serem espadas, quando montávamos barracas e fingíamos ser esconderijo. Caio sempre era o vilão, ele gostava. Quando Simon teve seu primeiro braço quebrado, ou quando eu quebrei seu primeiro dente de leite com um soco em uma briga.
Eu acordo sem ar, peito apertado e uma dor excruciante em minha perna. Levo tempo demais para me situar, para lembrar onde estou e o que faço aqui. Lágrimas quentes molham meu rosto sem que eu possa impedir, porque Simon continua morto, e eu nunca mais vou vê-lo novamente, não teremos nem mesmo seu corpo para enterrar, porque ele foi feito em pedaços.
Percebo depois de um tempo minha mão em volta de uma muito menor, pequena e gelada. Malia está dormindo profundamente, sentada e a cabeça deitada para trás escorada na parede. Não parece estar nada confortável, mas não conseguirei de forma alguma ajeita-la sem que ela acorde, ou sem correr risco dos meus pontos abrirem.
Uma luz forte emite do telão da televisão, um hino diferente do que estamos acostumados berra alto. Malia acorda sobressaltada, a mão no peito e os olhos arregalados.
— Oi... oi, como você está? — seus dedos gelados demais tocam meu rosto e um suspiro de preocupação faz seu peito subir e descer mais rápido. — Muita dor?
Estou prestes a responde-la quando a imagem de Coin surge na tela, um sorriso maior do que já a vi dar em seu rosto. Ela anuncia a vitória dos rebeldes, a prisão de Snow e todos os seus simpatizantes, diz que voltará na manhã seguinte com mais notícias.
— Prisão de Snow... Katniss não conseguiu mata-lo então — Malia se levanta, a mão sobre o peito.— Acha que pegaram eles antes? Que mataram todos?
— Eu não sei, meu amor — eu digo, minha voz rouca demais.
Malia se aproxima de mim, beija minha testa e segura meu rosto entre às mãos.
— Se algo aconteceu com eles, se foram mortos ou feridos, não vão conseguir avisar que estamos aqui... preciso chamar uma equipe médica... precisamos ir para a mansão... Alice está lá agora— ela diz baixinho e eu assinto.— Eu voltarei rápido, prometo... vou pedir a Tigris um telefone, não vou longe.
— Está bem — sussurro.
Malia anda em direção às escadas, e eu noto seu mancar leve, e sua respiração pesada toda vez que o tornozelo direito toca o chão. Não tenho tempo de perguntar se ela está bem, porque ela some rapidamente me deixando sozinho.
Não consigo me manter acordado porém, às visões voltam ainda mais forte. Simon está em uma sala branca, ele tenta chegar até mim, tenta me acalmar. Seu sorriso causa algum tipo de dor irreversível em meu peito, um sorriso que eu nunca mais verei. Os anos se passarão e eu sei que esquecerei os detalhes do seu rosto, assim como foi com minha mãe, com meu pai, com Mags. Mal consigo me lembrar se seus olhos eram verdes tipo folhas ou da cor do mar. Nenhum deles vai voltar.
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70° edição dos Jogos Vorazes
FanficPerto de completar seus tão esperados 19 anos, Malia Dareaux estava contente por ser seu último ano sendo obrigada a escrever seu nome para ser sorteada como Tributo para os Jogos Vorazes. Ela sabia que depois desse fatídico dia, não teria mais que...